" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

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Jul 19

 

Os melancólicos  “cultivam” , além da tristeza profunda, um imensurável sentimento de culpa, que eu sempre identifiquei como arrogância no avesso do espelho da modéstia...rssss. E, embora sejam um poço dessa permanente tristeza, têm muitas crises de tristeza maior. Sim, é possível. Melancólicos são criativos. E não são identicos aos depressivos. Há sutis diferenças.

 

“O diretor de cinema dinamarquês, Lars Von Trier (6), no seu filme “Melancholia”, vê o melancólico como um sujeito em desacordo com as determinações da sociedade, e a melancolia como uma expressão da perda do sentido de vida, concluindo que a melancolia é um indicador de sintoma social. Maria Rita Khel (7) no artigo “Flânerie Bipolar” denomina “Planeta Melancholia” a uma “lua incansável cuja órbita desgovernada está a aproximá-la cada vez mais da terra indefesa até provocar uma colisão devastadora.” Sosseguem, porém, pois sei que a minha “colisão devastadora” não se dará nessa vida. Já chegada nos 70 anos, poderei me abster dela até a colisão definitiva. Mas, há algumas que dóem demais.

 

As crises não são repentinas. Elas avisam a sua chegada. A motivação pode ser variada, desde esquecer de tomar a medicação por alguns dias até o sentimento – sempre ele – de culpa, porque tio Cabral resolveu descobrir o Brasil. Ou  o agravamento do sentimento do mundo, como um retrato na parede, que dói. Ou por tomar consciência de que o país onde você vive  retrocedeu tanto  que você não mais consegue se reconhecer nele. Essa tem sido a principal causa das minhas recentes crises. Ou a inevitável aproximação de mais uma perda.

 

As vantagens competitivas dos melancólicos é que no geral eles não são prejudiciais ao coletivo: trocando em miúdos, usam seu chicotinho contra a própria alma, mas não contra a alma alheia. São inteligentes. E perspicazes.

 

A maior impossibilidade do melancólico é viver o luto. Suas perdas não são superáveis. Seguem-no pela vida, como fossem a segunda, a terceira, a quarta, a quinta pele. Nesse sentido, eu as tenho – como todo mundo, mas o melancólico é doentinho, não se esqueçam disso – como um enorme sobrepeso ao meu peso real, que já é considerável.

 

A primeira e a mais terrível foi a perda do pai. Na sequência, a mãe, a avó. Depois o padrinho querido, o avô, a madrinha amada. Além de muito amados, estes foram esteio do que sou e  da tarefa de ser gente. E os primeiros, os perdi antes dos 22 anos. Daí pra frente, foi porrada...rssss.

 

Com o tempo passando, vieram as perdas de amigos e de amores. Perda física. Morte. Sem metáfora. Caramba! Cada partida arranca um pedaço e você parece uma peneira de dores, que depois passam a ser hematomas, cuja rouxidão não desaparece jamais.

 

Essa nossa conversa hoje me serve de alívio. Porque me preparo para enfrentar mais uma perda. Que não quero, óbvio. Que  só me obrigo agora a lidar com ela, porque não tenho mais certeza de que meu desejo de que a vida seja mantida é justo para com quem quero tanto bem.

 

 

publicado por Adelina Braglia às 13:58

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