Minhas lembranças da infância e da juventude são sempre pródigas em cheiros, cores, sabores e sons.
Os potes coloridos das compotas da casa da minha avó, guardados num quarto que servia de despensa. Alguns amarelos como os das mangas, outros verdes clarinho, como os dos doces de mamão. Minha mãe preferia os verdolengos potes de doce de laranja-da-terra.
A chave da despensa, minha avó a carregava amarrada à cintura, presa num fio de barbante. Cada vez que a avó abria aquela porta, pareciam abrir-se portas do paraíso!
Meu avô com seu inconfundível chapéu e seu cigarro de palha - esse cheiro entrava na minha narina e deixava a sensação de que o avô era único aprendeu a ler aos 60 anos e orgulhava-se de faze-lo sem óculos.
Meu pai era muito alto. Quase dois metros. Parecia proteger-me do mal, apenas pelo tamanho. Usava em casa um macacão. Às vezes cinza, às vezes azul. Assava no forno os famosos bolinhos baianos, que nenhum dos filhos sabe fazer. Cozinhar para ele era diversão e arte.Com ele aprendi a beleza da música, a importância da leitura, a necessidade da condescendência e o prazer da solidariedade. E, lógico, a delícia de achar que comer é mais do que alimentar-se.
Com todas as minhas ânsias da infância e da adolescência, enquanto ele viveu, o mundo parecia estar sob o seu controle. A morte do pai trouxe um estranho vazio à vida, e a consciência de que esse Dom Quixote doméstico era só uma boa fantasia.
Lembranças doces e ácidas. Tal qual as compotas de manga e as de laranja-da-terra.