Hoje estou mal com tudo.
A única coisa que não me irrita é a música.
Ouço muitas, desde o amanhecer.
Sempre pensei que a história do Brasil poderia escrever-se com a música.
Houve um tempo em que a bossa nova representou o ideal de um Brasil rico, feliz. Juscelino Kubstschek e a industrialização! Assim, havia espaços pra intimismos, podia-se pensar no barquinho, na flor, na garota de Ipanema.
A seguir vieram os anos da má transformação. Janio Quadros e sua loucura. Sua estupidez.
João Goulart e seu sonho revolucionário, típico do pequeno burguês nacionalista. Cheio de amor pelo país. As avaliações erradas do PCB, o racha na esquerda (o primeiro de milionésimos que se seguiram). Os militares e Geraldo Vandré, ...caminhando e cantando e seguindo a canção."
Chico veio logo, primeiro a Banda, onde se via a vida passar na janela. Depois, canções memoráveis que indicavam que o sanatório geral era aqui.
Caetano e Gil são panfletários. Oportunistas. Aproveitaram ondas, e revelaram-se logo a seguir animadores de picadeiros. São bons poetas. Mas, não os prezo e não os incluo na minha história brasileira musicada.
As canções de Paulo César Pinheiro e Eduardo Gudin refletiam também o susto dos jovens de classe média, e marcaram momentos bons. Mordaça. A ponte.
Chico sim, esse continua, sempre atento, acompanhando nossa geração de sonhos e pesadêlos. Apesar dos generais, tínhamos um país que acordava. Nossa cabeça rolando e nós de camisa amarela, ainda esperávamos a luz do sol da democracia, mesmo frágil e tênue, como ainda é.
Novas gerações cresceram desesperançadas. Um país infeliz, escuro e calado marcou suas infãncias. A aids, o desconsolo, a falta de perspectivas, sua adolescência e juventude. Gritaram nas nossas caras a sua perplexidade e a sua dor. Cazuza, Renato Russo. Coincidentemente mortos, jovens, pela aids.
Vieram os axés, as Kelly Keys da vida, bundas e peitos. Silicone e requebrados.
Hoje há músicos, poetas, de uma geração que se resgata. Lenine, Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, Adriana Calcanhoto.
É dela a única música que me serve hoje, intimamente, sem país, sem história e sem memória. Vambora.
Entre por essa porta agora,
e diga que me adora,
você tem meia hora
pra mudar a minha vida...
PS: sei, esqueci um "monte" de bons poetas e músicos. Tudo bem. Ninguém é perfeito!