Tenho duas gatas idosas (Catarina, 11 anos e Juliana, 9 anos). As duas levam vida mansa, tranqüila, sem desacertos.
Há pouco mais de um ano albergou-se conosco um gato de rua que adotou nossa casa e em janeiro fez parte da nossa mudança de endereço, após o conselho familiar decidir que era melhor afastá-lo do Bosque Rodrigues Alves, onde gostava de passar as noites e as madrugadas, do que deixá-lo à deriva.
Ele é extravagante, cheio de hábitos. Tem horários rígidos para comer. Quando há algum atraso, se põe a miar estridentemente, reclamando o café da manhã, o almoço, o jantar e, se possível, uma merenda no meio da tarde. Ele come compulsivamente, embora saiba, neste ano e pouco, que comida não lhe faltará. Quando o vejo assim aflito, devorando a ração como se ela fosse a última da sua vida, penso na memória da fome.
Penso que nós, os bem alimentados da vida, não temos noção do que ela é. Assim como nós, os “brancos por natureza”, não temos memória da cor ou da dor dela.
Não. Não considero adequado o início deste post para chegar aonde cheguei agora. Poderia ter começado com resumos dos estudos e análises que li ao longo dos anos sobre discriminação, racismo e preconceito. Mas, não foi assim que minha lógica funcionou. Funcionou a partir da memória da fome do gato e, talvez por ser assim, doméstica e simples, doeu como se eu tivesse alguma noção real da memória da dor da cor.