FUTEBOL, CATIMBAS E “FEITIÇOS” - Ney Lopes
Copa do Mundo rolando, O Globo, em sua edição de 20 de junho estampava matéria assinada por José Meirelles Passos, enviado especial do jornal à Costa do Marfim, país dos adversários do Brasil naquele dia. Intitulado “Superstição: sem juju empate é lucro”, o texto versava sobre o emprego de recursos sobrenaturais, de magia, nas disputas de futebol.
“A superstição tem raízes fortes neste país do oeste da África”, dizia, à certa altura o autor, para introduzir a seguinte história: Em 1992 o ministro dos esportes marfinense teria reunido “um batalhão de feiticeiros”, encarregando-os de um “trabalho” para que a seleção nacional fosse vitoriosa no final da Copa das Nações da África. Entretanto, apesar do sucesso da equipe, o trabalho feito não teria sido devidamente remunerado. E aí os ritualistas (no texto chamados de “juju”, quando esse termo designa o “trabalho” em si, e não o agente realizador) teriam buscado o efeito contrário, o que fez com que a seleção da Costa do Marfim ficasse sem ganhar nada por dez anos, até 2002.
Nesse ano, afinal, as contas teriam sido acertadas, recebendo os “feiticeiros”, além do pagamento, “um farto suprimento de rum”. Essa curiosa matéria, mesmo sendo verídicos os fatos narrados, reforça alguns estereótipos sobre a cultura africana, como sejam: o de que a religiao africana é apenas um conjunto de superstições; e o de que todo ritualista africano é feiticeiro, além de alcoólatra. Em 1950, como informamos em nosso “Kitábu, o livro do saber e do espírito negro-africanos” (Senac-Rio, 2005), o antropólogo francês Marcel Griaule afirmava a existência de um ontologia negro-africana, baseada numa estrutura religiosa firme e digna. E quem se debruçar sobre essa estrutura vai logo verificar a enorme distância existente, dentro dela, entre um feiticeiro e um ritualista, sacerdote ou curador.
O primeiro, é sempre um agente de desintegração destruição, temido e não respeitado, vivendo à parte do grupo. Já o segundo, conjurando malefícios, naturais ou provocados, agrega força vital, soma e constrói, sendo por isso sempre um líder e benfeitor de sua comunidade. E não se diga que a medicina tradicional africana é arcaísmo.
Ainda agora mesmo, em 1991, era publicado nos Estados Unidos o livro “Self-Healing Power and Therapy: old teachings from Africa”, do mestre congolês K.Bunseki Fu-Kiau, Ph.D. em Educação e Desenvolimento Comunitário pelo Union Institute de Cincinnati, Ohio. A obra, que chegou até nós graças à generosidade do amigo professor Zeca Ligiero, é um livro que só confirma o francês Marcel Griaule, pois transmite altos ensinamentos, como os contidos no seguinte provérbio:
“Os pássaros têm asas e penas porque elas lhes foram legadas por outros pássaros, através de herança genética. E só voam porque continuam a praticar a arte desenvolvida por seus ancestrais”.
Feitiçaria é outro papo.