Ando muito escondida, tentando não tropeçar todos os dias na miséria e na sina dos que têm como futuro a repetição do passado de pais e avós.
Não. Não me refiro à perpetuação de valores morais e éticos. Refiro-me à falta de oportunidades, à vida chinfrim restrita ao beco da mesma rua, à música estrondando nos ouvidos, à cachaça amarga, único lazer do domingo.
Seremos sempre uma nação capaz apenas de destinar aos jovens que as crianças sejam primeiro meninas sem rumo e depois mulheres maltratadas pelo trabalho árduo, seja ele em casa, na barraca da feira ou na roça? Ou homens disponíveis para as quadrilhas dos traficantes do bairro ou para a gang da esquina, para que se diferenciem do entorno, da mesmice da pobreza e da exclusão de todo e qualquer direito?
Faço este mês sessenta anos. Não me arrependo de nada. Parodio Aldir Blanc...” ... perdôo a todos, não peço desculpas, foi isso que eu quis viver...” mas trago na boca um travo amargo de fracasso, quae típico da minha geração, ainda que enxergue com clareza o que avançamos em cinco décadas. Mas, não foi suficiente. O Brasil patrimonialista, patriarcal, machista, colonizado, sobrevive com força em todas as ruas da minha cidade.
Escondo-me sim. Saio cada vez menos de casa. Ainda que no ônibus para o trabalho, tropece em todos esses personagens da farsa chamada Brasil. E, mesmo quando olho pela janela para tentar ignora-los, sinto seus olhos, sinto seu cheiro, sua presença. Como a cobrar meus privilégios.
Alguns chamariam isso de culpa. Não, não as tenho. Minha juventude e minha idade madura foram dedicadas a abrir outras trilhas que lhes permitisse escapar da sina. Não consegui. Agora, quero minha velhice. Sem eles. Sem seus olhos baços, sem seu suor cansado do trabalho que não dignifica, nem estimula. Do meu jeito, cansei.