Ouvi hoje o Concerto de Reencontro do Quilapayun.
Memórias de um tempo em que acreditávamos tanto! Cada um a seu jeito sonhávamos um país feliz. Não, não bastava um país melhor (?)ou justo: era fundamental sermos felizes.
Em 1995, estava em São Paulo e conversava com um amigo sobre aqueles “novos tempos” que estávamos vivendo. Ele, como eu, remanescente de um tempo onde o inimigo declarado era combatido com todas as forças. E ele disse, profeticamente: “O problema, Adelina, é que hoje não sabemos quem é o inimigo, porque estamos cercados de pequenos canalhas”.
Em 1996 retornei ao Pará. A sensação era de que em poucos quatro anos – período em que fiquei em São Paulo – havia se alargado o fosso entre a civilidade e/ou cidadania, e nós. O Brasil “real” continuava à deriva, refém dos planos e projetos exógenos a todo e qualquer desenvolvimento local. Agravaram-se nossas condições de quintal do país e do mundo. Ergueu-se a bandeira da defesa da Amazônia e pasteurizados sob essa insígnia, vamos caminhando dolorosamente para uma pré-história do direito e da civilização.
O Concerto de Reencontro do Quilapayun tem, entre outras canções maravilhosas, “Te recuerdo, Amanda”, relembrando Victor Jara. A música é um momento da história de Amanda que corre ao encontro do amado, Manuel, mas que ela não voltará a ver, eis que ele “... partió a la sierra, que nunca hizo daño, que partió a la sierra y en cinco minutos quedó destrozado.Suenan las sirenas de vuelta al trabajo, muchos no volvieron, tampoco Manuel...”
Nossos manuéis chamam-se Raimundo, José, Sandoval, nossas amandas são Maria, Francisca, Josefa. Seus homens não morrem de forma tão gloriosa: são esmagados silenciosamente por uma árvore, afogados num naufrágio. As amandas também perecem, nas ruas, nos campos ou nos hospitais.
Se chegar um novo tempo e vocês conseguirem dar cabo dos pequenos canalhas, cantem uma canção por mim.