" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

24
Out 11

Os olhos dela são cor de mel.

Tem 23 anos.

É de Santa Catarina.

Uma menina negra,

magérrima, cabelos bem curtos, quase “de menino”.

 

Ela  abandonou a casa aos treze anos.

Veio para Belém.

Mora nas ruas,

dorme em pedaços de papelão.

Nas noites de chuva, arranja um abrigo por dez reais.

 

Guarda carros nas transversais da classe média.

Briga “como homem” com os concorrentes.

Uma noite encontrei-a com um grande ferimento na testa.

Fruto de uma “divergência” pelo ponto.

 

A última vez que a vi, estava grávida.

Sentamos pra conversar e ela me disse que não ficaria com o filho.

Que a vida dela não servia pra ninguém.

Que o pai duvidava que o filho fosse dele.

 

Hoje me lembrei dela, no almoço.

Minha neta colocou comida em excesso no prato e não foi capaz de comê-la até o fim.

Uma pontada no estômago acompanhou a lembrança.

Uma agonia grande.

Um gosto amrgo na boca.

 

 

publicado por Adelina Braglia às 18:50

Nos momentos de  desesperança, penso firmemente que tudo muda, num espaço-tempo diferente do meu, mas muda. 

 

Mudam as pessoas, os lugares, as circunstâncias, a história, ainda que eu seja o ínfimo agente da sua mudança. E eu tenho a certeza que o sou. 

Porém, uma matéria como essa me abate.

  

Esta e outras e outras e outras. Outro dia, no trajeto para o trabalho, li algumas manchetes  nas capas de revistas: ” A formatura de Sandy”, “A 

primeira semana de mãe de Claúdia Leite”. Das que estavam estrategicamente expostas para atrair o freguês, gravei essas duas.

 

E segui pensando o que significa saber que Sandy  é bacharel em  alguma área ou que Cláudia Leite é mãe. E imaginei que manchetes como 

essas geram apenas duas sensações: inveja e abatimento.

 

Inveja daquilo que é irrealizável para a maioria das adolescentes e jovens que, nas paradas de ônibus onde a maioria das bancas de jornais e  

revistas se instalam, vêem seus sonhos esfumaçar-se na luta pela sobrevivência.  E deduzo que a mesma razão da inveja é a do abatimento!

 

Resultado: afundo cada dia mais a cabeça no trabalho, onde creio que alguma coisa possa fazer a diferença e recuso-me a sair à rua, salvo nas 

idas e vindas do trabalho ou uma pontual visita a amigos queridos..


Há tanta dor lá fora!

 

Há dor nas crianças, nos jovens, nos velhos. Uma dor que cheira de longe o ácido perfume do abandono. O abandono em casa, o abandono das 

ruas, o abandono do Estado.

 

Sei, eu sei, há também risos e alegrias, muitas delas pequenas e preciosas que já me esqueci de sentir. Mas são parcas, esparsas. E Caetano, o 

jovem e sábio, ao invés do velho e arrogante, me vem à cabeça...

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 10:34

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