" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

29
Nov 10

 

Quando você crescer e a vó talvez não esteja junto pra explicar, perdoe-nos por acreditar durante muito tempo que Pedro Álvares Cabral havia descoberto o Brasil por acaso. E por termos desfrutado durante alguns anos a ilusão de um país que despertava,  e assim podíamos sonhar com “... o barquinho a navegar no macio azul do mar...” e amar os Beatles e os Rolling Stones.

 

 Depois, nada era paz e o amor se fazia no escuro, encostados nos muros, temendo a prisão. Mas aí, tanta coisa havia acontecido enquanto o barquinho navegava que foram muitos, muitos anos de escuridão. E hoje ainda temos dificuldades na claridade, pois sombras turvam a visão.

 

Mas não nos culpe por Wlado Herzog nem pelo exílio que feriu de morte a sanidade de Geraldo Vandré.  Isso é culpa dos generais, estes que hoje querem a impunidade e que a vó quer que sejam punidos,  um a um. Que os que já morreram sejam desonrados publicamente e que os que vivem sejam presos e exemplarmente punidos pela prisão ilegal, pela tortura e pelo assassinato de jovens como a vó também já foi.

 

E que na sua juventude, a fraternidade tenha se sobreposto à barbárie. É o que a vó lhe deseja, do mais fundo do coração e com o mais profundo amor.

 

E como o Vitor Martins e o Ivan Lins já tinham antecipado estas desculpas, deixo a canção pra você:

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 07:22

15
Nov 10

Marga querida:

 

Não somos almas gêmeas, felizmente: a monotonia nos mataria de tédio.

 

Nem somos metades de laranjas.

 

As arestas que nos impedem de colar homogeneamente as nossas metades vividas, é que nos permitem trocar experiências, frustrações e gozos e ajustar expectativas, belos frutos das árvores fortes e frondosas que compõem nossas vidas.

 

O que somos? Para além dos chavões?

 

Somos nós, naquilo que é fundamental.

 

E somos você e eu, no que é imprescindível para a vida que queremos: uma vida incomum.

 

Um beijo.

 

 

 

 

 

 

PS: é isso: " o seu olhar melhora o meu...."

 

 

publicado por Adelina Braglia às 17:59

11
Nov 10

 

Essa é para o Tiririca, no dia do seu exame. Pra descarar a hipocrisia, a maldade e o oportunismo de quem dele se aproveitou.

 

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 09:29

10
Nov 10

 

Percebo, tardiamente, que sou uma viajante, ainda que tenha ficado entre os pontos de partida e de chegada. Não conheço países que não o meu. Uma viagem juvenil à Bolívia e Peru não conta. No entanto, cada vila, comunidade, povoados e cidades  que percorri, são um universo particularizado. Chego a ver em cada um deles, bandeiras tremulando, exércitos em sua defesa.

 

Descubro também porque o nome deste blog surgiu sem nenhum vacilo quando o criei. Relatos de uma travessia de um ponto a outro, esse era o sentido. De dentro para fora de mim. E essa é a minha característica de viajante.

 

Aprendi cedo a ouvir escutando e a falar com sinceridade. Minha bagagem foi  essa e, talvez por isso, me igualei aos muitos que conheci. Não tínhamos patrimônios materiais para carregar ou defender. Tanto é assim que agora, na travessia final  de volta pra mim, não há o que transportar. A Lusitânia não será necessária.

 

Não, esse não é um auto-elogio. Não me vanglorio da incapacidade de acumular. Eu a reconheço tal como é: uma incapacidade. Que, talvez, tenha dificultado em parte minha vida, mas que  não me entristece nem diminui.

 

Nestes dias de silêncio, a proximidade da volta parece exigir um balanço afetivo da longa jornada, mas ao tentar fazê-lo sou sempre interrompida pelas memórias de pessoas e lugares. Não há feitos ou mal feitos. Há pessoas e lugares.

 

As casas com minúsculas janelas, construídas como se aqui não fizesse calor 12 meses ao ano, a poeira das vicinais, os arremedos de escolas sem estruturas, carteiras, lousa de giz, ainda freqüentes em algumas comunidades, mas lotadas de esperança. Muitas vezes lembrava a canção Gente Humilde, e as flores baldias estavam lá. Mas, não eram tristes.

 

Os rostos vincados de rugas e de sol, os risos adolescentes, a alegria infantil também nos adultos. Os sons. As danças. As cantorias. E muita, muita fé, sempre. Os padroeiros das vilas, as rezas, as ladainhas.

 

Ficaram muitas frases, pedaços de conversas, ensinamentos. Aqueles aos quais sabedoria se sobrepõe a títulos e livros. Carrego muitos comigo e  me serviram em situações bastante diversas daquelas onde foram ditos.

 

É uma memória de afetos e aprendizado. Que se unem à certeza de que agora a travessia precisa ser concluída, movida pela necessidade atávica da volta para casa, para onde o umbigo foi enterrado.

 

Sou uma viajante. Sem passaporte, sem malas, sem carimbos. E, de repente, gostei muito de ser quem sou.

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 07:44

 

 

Mais do que a idade, a perda de amigos tem resultado na certeza da morte. Hoje convivo com isto sem medo. Há alguns anos, não convivia. Apenas ignorava essa “hipótese”..rsrs...

 

Outro dia sentei com meu filho mais velho para lhe dizer que quando eu morresse, gostaria que ele tivesse a certeza de que eu tinha tido uma vida muito, muito boa. A vida me foi generosa. Talvez porque eu tenha feito por merecer - a idade também traz alguma arrogância, reconheço. E a idade às vezes cansa, pelas perdas acumuladas.

 

Ontem, morreu Mariano Klautau. Não  chegamos a ser amigos, na extensão da palavra: não convivemos, não trocamos confidências, salvo uma única, feita por ele, num telefonema há meses, quando declarou sua depressão e desalento, me surpreendendo, pois guardava dele a imagem do homem que jamais seria abatido.

 

Mariano foi um professor, pra mim. É isso. Vaidoso, rei das suas idiossincrasias, mas generoso na transmissão do que conhecia e experimentara. E foi  nessa generosidade  que me  apoiei em 1986, quando chegávamos ao poder em Marabá, e era preciso abrir o caminho institucional, entupido por anos de governos nomeados por “segurança”, com uma via, por pequena que fosse, de garantia da participação da população no tal poder.

 

Três conversas com ele aqui em Belém foram decisivas. Se nem tudo correu como devia na criação da Assessoria de Comunidade na Prefeitura de Marabá, foi por erro meu.

 

Acho que agora Mariano descansa. E conversa muito e conta suas experiências e suas absolutas e maravilhosas verdades aos meus queridos interlocutores Benedicto Monteiro, Sergio Gribel, Sergio Sapucahy, Ronaldo Barata e Juvêncio Arruda.

 

Até, camaradas. Esta canção é pra vocês.

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 07:24

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