" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

07
Set 10

 

Luzia é miúda. Parece ter 13 anos e não os seus já completados 23.

 

Olhos grandes, roupas escuras e pesadas, cabelos cacheados cuidadosamente presos, parece um pequeno pássaro, daqueles que caem dos ninhos nas árvores das ruas da cidade e ficam no chão, indefesos, perdidos, assustados. Mas Luzia não é um passarinho.

 

Luzia não fala. Se perguntada ou mandada, responde e obedece. Só isto. Parece trazer em si a fatalidade das mulheres que aceitam que a vida é restrita e sofrida, que o futuro é a reprodução do sofrimento das mães e das avós. E pronto. Missão cumprida e depois, quem sabe, o céu.

 

O céu, porque Luzia carrega consigo uma bíblia quase maior do que ela. E abre e faz de conta que a lê, mesmo na semi escuridão, e mesmo que não saiba ler.

 

Luzia foi à escola. Cursou até a quinta série, mas é incapaz de escrever e ler. Fez um teste de proficiência agora na cidade e seu nível de escolaridade não atinge a primeira série! Se tivesse continuado no seu vilarejo, talvez já fosse hoje professora de outros passarinhos. Ensinando-os a serem calados, mudos, tristes.

 

Quantas Luzias-passarinhos eu já conheci! Algumas puderam deixar de sê-lo. Ou melhor, deixaram de ser tristes e abriram e bateram asas, e aos poucos foram levantando vôo, às vezes solo, às vezes em bandos. Outras, fadaram-se ao seu destino. Presas no visgo da vida insana, injusta, feroz,  morreram devagarzinho, silenciosamente. Ainda que aparentem estar vivas.

 

E saí de lá relembrando Torquato Neto e as pessoas que desafinam o coro dos contentes e das mulheres que escapam e das que são abatidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 23:41

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