Há tratados, teses, livros e opiniões aos montes para explicar o fenômeno do Carnaval brasileiro. Eu prefiro apenas uma: nossa alma racista e colonial, misturada ao machismo a ela inerente. Aquela que nos faz ter reis em todas as modalidades: Rei Momo, rei do futebol, do tênis, da axé-music! E destinar aos negros – e com mais ferocidade às mulheres negras - os postos secundários da sociedade, à exceção dos dias do “reinado de Momo”.
Por três dias, ganhamos as ruas, fantasiados do que queremos ou podemos. As mulheres, especialmente, desfilam sua soberania quando as porta-bandeiras iluminam a avenida, não importando que após a quarta-feira voltem para a senzala eterna. Interessante é que o homem é o Mestre Sala e a mulher é a porta-bandeira, quase um acessório.
Essa idealização do império ficou patente ontem pela manhã, quando atravessava a rua e vi um carro alegórico retornando após a folia. Um velho negro com ar abatido tentava dar direção à carroceria, enquanto quatro negros jovens empurravam o que restou da magia daquela alegoria.
O orgulho da raça. Cínico. Hipócrita.Concedemos, com a nossa magnanimidade branca, três dias de euforia para afogar a mágoa, a dor e a raiva do racismo e do preconceito diários.
O desfile das escolas de samba do Rio – ainda que meu amor pela Mangueira aparentemente contradiga este discurso – é o exemplo mais feroz de tudo isto. Abriu-se na senzala o espaço para que as branquelas e branquelos exibam seu requebrado. Pretende-se assim mostrar que a igualdade é uma característica brasileira.
Tento suavizar este mal estar pensando que ainda assim, são negras e negros que fazem a festa. E divertem-se com a semgracisse – palavra nova! – dos colonizadores. Assim fica melhor.