Safira tem este nome pelos olhos reluzentes. Duas enormes bolotas verdes no rosto miúdo, por trás dos óculos de grossas lentes. Não por acaso, a mãe lhe disse que o pai era garimpeiro e ele que escolheu seu nome.
A tia tirou-a da escola, depois de algumas repetências. Sem fazer segredo, dizia “Safira não dá pro estudo”. Anos depois se viu que a falta de vocação de Safira para o estudo era uma deficiência visual de altíssimo grau, que fazia da lousa, dos livros e das letras um emaranhado nebuloso de difícil decifração.
Safira aprendeu, no entanto, algumas palavras e rudimentos da aritmética, essa antiga ciência pomposamente substituída, nas gerações seguintes, pela matemática, um conjunto mais amplo de conhecimentos tão mal administrados que transformam crianças inteligentes em adultos que se consideram burros.
A aritmética de Safira era humanizada. A Professora Terezinha - que via na menina a limitação física que não tinha como resolver - sabia que suas dificuldades nada tinham a ver com baixa inteligência ou falta de vocação. E em alguns dias da semana ela ficava com Safira mais um tempo, após a aula, explicando o que ela não havia podido enxergar e ler.
Por isso Safira tem verdadeira adoração por professores. Eles são os anjos caídos neste mar de lágrimas, como diz ela. Na rua onde mora visita quase diariamente a Professora Helena, já senil, que não mais reconhece as pessoas. Mas Safira não quer ser reconhecida. O que ela quer é fazer Dona Helena saber que alguém sempre passará ali, para lhe dar um afago, uma leve e carinhosa passada de mão nos cabelos.
Safira é assim. Miúda, olhos arregalados, pernas curtas que parecem exigir que ela compense o passo pequeno com a velocidade. Sua idade é indefinida. Entre os 50 e os 60. Nasceu no interior, veio para a capital trazida pela tia, que prometeu à mãe que aqui ela ia estudar. Não estudou porque não tinha “vocação” e, principalmente, porque a tia queria mesmo era uma empregada doméstica de confiança, a baixíssimo custo: comida pouca e dormida péssima.
Quando arranjou um trabalho assalariado, Safira alugou um quartinho e saiu da casa da tia. Safira não se casou. Não achei quem me quisesse, disse ela entre risos. Cuidou dos afilhados, resolvendo de forma prática a nem sempre verdadeira necessidade das mulheres manifestarem seu instinto maternal. Mas Safira conta que amou. E que foi amada, embora ele não lhe quisesse para viver a vida. E esse amor parece ter lhe bastado como amostra de felicidade.
Safira parece não carregar mágoas da vida. Ao invés disto, carrega sacolas, nas quais leva os guardanapos feitos de sacos de aniagem, impecavelmente branqueados e bordados e os tapetes tecidos com fios multicoloridos, que vende para suprir o salário que há anos perdeu.
Safira, uma mulher brasileira. O pai garimpeiro era, com certeza, um poeta.