" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

14
Jan 10

No Haiti devastado perdemos Zilda Arns, uma brasileira cuja ausência nos deixa mais pobres. Mas, lá já havíamos perdido a humanidade, apesar dos 15 milhões de ajuda "humanitária" do governo brasileiro.

 

Um grupo de pesquisadores da UNICAMP em  treinamento em pesquisa de campo antropológica escolheu o Haiti, segundo justificam, por ser o primeiro país a proclamar a independência em meio um verdadeiro processo revolucionário e que chama a atenção por sua excepcionalidade. Estão lá desde novembro passado.

 

 

Segundo eles, o  "... país foi objeto de mais uma ocupação internacional, ora comandada por tropas que levam a bandeira brasileira. Não foi a primeira ocupação, e a presença das tropas brasileiras deve ser percebida da perspectiva haitiana, como parte de uma longa história marcada pelo assédio e pelo embargo. Nosso compromisso com a compreensão do Haiti implica num treinamento específico em pesquisa de campo em regiões de conflito e pós-conflito."

 

Eles relatam em seu blog os dias do Haiti. Antes e depois do terremoto. Este trecho é de ontem:

 


Haiti: estamos abandonados

 

13 13UTC Janeiro 13UTC 2010, 23:39
Arquivado em:
HAITI
 

A noite de ontem foi a coisa mais extraordinária de minha vida. Deitado do lado de fora da casa onde estamos hospedados, ao som das cantorias religiosas que tomaram lugar nas ruas ao redor e banhado por um estrelado e maravilhoso céu caribenho, imagens iam e vinham. No entanto, não escrevo este pequeno texto para alimentar a avidez sádica de um mundo já farto de imagens de sofrimento.

                                                                                                            

O que presenciamos ontem no Haiti foi muito mais do que um forte terremoto. Foi a destruição do centro de um país sempre renegado pelo mundo. Foi o resultado de intervenções, massacres e ocupações que sempre tentaram calar a primeira república negra do mundo. Os haitianos pagam   diariamente  esta ousadia.     

 

 O que o Brasil e a ONU fizeram em seis anos de ocupação no Haiti? As casas feitas de areia, a falta de hospitais, a falta de escolas, o lixo. Alguns desses problemas foram resolvidos com a presença de milhares de militares de todo mundo?

 

A ONU gasta  meio bilhão de dólares por ano para fazer do Haiti um teste de guerra. Ontem pela manhã estivemos no BRABATT, o principal Batalhão Brasileiro da Minustah. Quando questionado sobre o interesse militar brasileiro na ocupação haitiana, Coronel Bernardes não titubeou: o Haiti, sem dúvida, serve de laboratório (exatamente, laboratório) para os militares brasileiros conterem as rebeliões nas favelas cariocas. Infelizmente isto é o melhor que podemos fazer a este país.

 

Hoje, dia 13 de janeiro, o povo haitiano está se perguntando mais do que nunca: onde está a Minustah quando precisamos dela?

 

Posso responder a esta pergunta: a Minustah está removendo os escombros dos hotéis de luxo onde se hospedavam ricos hóspedes estrangeiros.

 

Longe de mim ser contra qualquer medida nesse sentido, mesmo porque, por sermos estrangeiros e brancos, também poderíamos necessitar de qualquer apoio que pudesse vir da Minustah.

 

A realidade, no entanto, já nos mostra o desfecho dessa tragédia – o povo haitiano será o último a ser atendido, e se possível. O que vimos pela cidade hoje e o que ouvimos dos haitianos é: estamos abandonados.

 

A polícia haitiana, frágil e pequena, já está cumprindo muito bem seu papel – resguardar supermercados destruídos de uma população pobre e faminta. Como de praxe, colocando a propriedade na frente da humanidade.

 

Me incomoda a ânsia por tragédias da mídia brasileira e internacional. Acho louvável a postura de nossa fotógrafa de não sair às ruas de Porto Príncipe para fotografar coisas destruídas e pessoas mortas. Acredito que nenhum de nós gostaria de compartilhar, um pouco que seja, o que passamos ontem.

 

Infelizmente precisamos de mais uma calamidade para notarmos a existência do Haiti. Para nós, que estamos aqui, a ligação com esse povo e esse país será agora ainda mais difícil de ser quebrada.

 

Espero que todos os que estão acompanhando o desenrolar desta tragédia também se atentem, antes tarde do que nunca, para este pequeno povo nesta pequena metade de ilha que deu a luz a uma criatividade, uma vontade de viver e uma luta tão invejáveis.

 

 

 

Otávio Calegari Jorge

http://lacitadelle.wordpress.com/

 

 

 

 PS: Uma pergunta minha, não deles: será que alguém pode solicitar que o coronel Bernardes explicite melhor sua afirmação? E que tal incluir no PNDH 3 o acompanhamento das nossas tarefas "humanitárias" no Haiti?

 

publicado por Adelina Braglia às 05:56

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