Voltar sobre os próprios pés,
eis o que me proponho agora.
Talvez, com algum esforço, possa dizer quem volta.
Somados o tempo e descontado um breve intervalo,
trinta anos mais velha.
Trinta sonhos a menos.
Trinta quilos a mais. Ai!!!
Trinta dias que se reproduziram à exaustão entre risos, angústias e uma atávica solidão acompanhada.
Trinta ou mais caminhos percorridos.
Bem menos do que trinta amigos, escolhidos.
Talvez amigos, mesmo, daqueles que se leva para uma ilha,
sejam meia dúzia de três ou quatro.
Sou mais e melhor do que quando cheguei
ainda que o preço seja carregar um estranho oco no peito.
Para sempre.
Como fotografias pregadas na parede da memória
levarei imagens de por-de-sol,
de travessias de rios em barcos pequenos e grandes.
As pescarias no Araguaia, os banhos no rio Tocantins.
Algumas luas cheias noites afora,
umas cá, outras mata adentro,
cercada de palavras sábias e risos ingênuos.
Se é que se pode chamar de ingênua a dura malícia de sobreviver que eles têm.
Algumas paisagens áridas: estradas empoeiradas.
Por elas achava levar esperanças,
essa mercadoria fugaz, mas indispensável,
para fazer alguém feliz por alguns momentos.
Algumas “convicções” esquerdistas
- e, por conseqüência – burras
ficaram pelas vicinais e em alguns rios e igarapés.
E, espero sinceramente, que ninguém as tenha recolhido.
Se bem que, com algum discernimento, o miolo delas talvez prestasse para alguma coisa.
Acender fogueiras, por exemplo.
Do bolso da algibeira que nunca tive
caíram também alguns recados para mim mesma.
Estes, se foram encontrados, não serviram para nada, nem a ninguém.
Voltar sobre os pés.
Não recolher pedaços nem restos.
Massageá-los, vez em quando, para que suportem meu peso e o das minhas memórias.
(*) agradeço ao Alencar a expressão, que originalmente é "votar nos pés".
Música incidental: Lenha, Zeca Baleiro.