" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

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Jul 09

 

Esse é um tempo de perdas. Sem licença prévia, alguns amigos e companheiros de jornada, morrem. Não os perdôo, mas os compreendo. Alguns cansaram. Outros lutaram bravamente, mas foram vencidos pelo tempo ou pela doença. Ou pelos dois.
 
Depois do terceiro ou quarto amigo que perdi em espaço curto de tempo, parei de praguejar. Parei, não porque considerasse justo que tivessem ido embora sem que eu permitisse, mas porque esse tal tempo das perdas começou a ter a lógica do curso natural da vida. E passei a me preocupar com o curso nem sempre muito natural da minha!
 
Aí veio essa vontade matinal de dizer aos irmãos e amigos que meu maior feito são eles, um sólido patrimônio, mas de leveza ímpar: levo-o para onde for. Assim tem sido. E que quando celebrarem minha morte o façam com essa clareza: como sou feliz!
 
Os irmãos são hors-concours: Lalá, Lelé e Lili (mais conhecidas como Nena, Cleide e Lula...rsrsrs...) são parte da minha genética de ser humana. Rita e Oswaldo são meu farol de milha para aquilo que mais prezo: amor e solidariedade. Sem esses cinco eu seria no máximo, um número a mais no reino animal!
 
Ah! e os amigos! Os amigos de São Paulo, de quem estou geograficamente distante há 30 anos, permanecem no meu cotidiano Vez por outra lembro o olhar profundo e o riso bonito da Annez, a majestade da Márcia, a aparente serenidade daquela ebulição chamada Beatriz. Guiomar e seu ingênuo – e insubstituível  - olhar de criança sobre o mundo.
 
Rosa é mais que amiga. Companheira da vida inteira ainda que hoje sigamos separadas. É dela o privilegio de ter me ensinado que solidariedade e justiça não precisam de tapinhas nas costas. Basta que sejam exercidas para surtir efeitos.
 
Da minha amiga Vera fica sempre “João e Maria” e o muro que pulei quando vim para o Pará em cujo quintal amadureci e aprendi. Mas é como se estivéssemos sempre cantarolando canções e quando nos encontramos , orgulhosas  avós da Sofia e da Beatriz, ali estamos, adolescentes,  sentadas no batente do portão a rir do milho que não era para cavalos!
 
Minha querida Fernanda me contou hoje da morte da sua mãe. E numa breve conversa, ainda que marcada pela já presente saudades, rimos muito ao concluir que Dona Lurdes, para quem o mundo só girava sob a sua supervisão, viveu e morreu como bem entendeu!
 
Lurdinha quando se foi deixou um vazio danado, cheirando a maracujá e café e um gosto bom de cocada. Hoje, lembro dela com mais intensidade do que quando fazia nossas batidas e nosso café. E o que me ficou dela, como excelente professora que era, foi a riqueza das lições de amor e caráter.
 
Aqui, a partir de março, quando eu voltar para casa, ficarão outros grandes e sólidos amigos. Amigos de todas as travessias e travessuras desses 30 anos amazônicos. Dos sonhos que não realizamos, dos pesadelos que vencemos. Das risadas infindas em meio a tudo isso.
 
Um dia a Annez me disse que eu deveria escrever a minha experiência. Tenho certeza que agora, depois da aposentadoria que me liberará o tempo que preciso e  que não saberei muito bem como ocupar, vou escrever. E manter o título original, pensado numa brincadeira: Morangos no tucupi.
 
Porque tudo isso, escrito assim de uma vez? Acho que é porque ontem, na celebração da vida da Maristela, vi como a morte - ainda que doída e, no caso dela, injusta ao extremo - pode ser celebrada através da vida, mesmo numa circunstância de tristeza e saudades, se quem a viveu  lançou sementes, pequenas ou grandes,  com um riso largo ou uma palavra grave, cumprindo a missão de provar que “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”.
 
É assim que eu quero viver na memória de todos os que eu amo tanto quando eu sair do palco.

 

 

PS: e gostaria muito de ter escrito essa letra.
 
 
 

 

publicado por Adelina Braglia às 09:13

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