" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

19
Jan 09

 

Sou do tempo da cordialidade.
 
Ser cordial era o pressuposto para a amizade, o amor, a convivência, fosse ela de que tipo fosse. Conviver formalmente, esporadicamente ou intensamente com alguém, pressupunha relações cordiais. Se não, não valia a pena. Enxotava-se logo o convivente para a categoria de inimigo. E, para esses, nenhuma comiseração. Menos ainda, cordialidade.
 
Sou de um tempo onde a justiça, não tinha alcunhas. Qualificativos do tipo “justiça social”. Ou coisas como “desenvolvimento sustentável”. Ou “democracia participativa”.
A justiça a ser alcançada era justiça. O desenvolvimento só o era, se fosse sustentável e não há democracia sem a participação popular. Simples assim.
 
Talvez por ser um tempo onde o inimigo era visível e palpável, e ainda que cercada e cerceada por terríveis percalços – a ditadura, a rigidez e o formalismo das relações maternas, a informação às vezes insuficiente sobre o vasto mundo de Raimundo - a felicidade, embutida numa imensa esperança, era quase permanente. Não a felicidade dos imbecis, mas aquela que me fazia suportar a dor, a frustração, porque era alcançável. Um dia, haveria morango com chantilly para todos. Eu não queria menos do que isso.
 
E a cordialidade era fundamental. Do jeito que a define o dicionário: cordial, relativo ao coração. Era preciso colocar o coração acima do ódio. Adversários também mereciam tratamento cordial, pois era do coração que vinha a força para derrotá-los. Inimigo, já disse acima, esse não. Era fora da categoria. Para ele, justiça. Aquela, sem adjetivações.
 
Meu tempo era o da canção que inspirava ou deprimia. Assim, sem meio termo. A canção que não fizesse esse papel, era descartada do ouvido. Sem piedade. Isso só não vale para as que aprendi na pequena infância, colada ao rádio que ganhei do pai, ouvindo Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Ivon Cury, Silvio Caldas. Estas ficaram impressas na memória afetiva, sem precisar justificar-se.
 
Descubro que, ao escrever isso, reconheço ser uma pessoa de temperamento desigual. Pior: reconheço-me nos meus velhos, quando diziam que o tempo deles era melhor. Mas, como eles – entendo isso hoje – meu tempo já é muito curto para tolerâncias.
 
Suportar a falta de cordialidade dos dias é, quem sabe, minha maior dificuldade. Desde a cordialidade do pedido de desculpas pelo pisar do pé dentro do ônibus e a falta dela quando olho em volta e me vejo sufocada por pequenos canalhas, na política, nos governos, na TV, na literatura, na música.
 
Talvez eu não seja de um tempo cordial. Mas acreditei tanto nisso que passou a ser minha verdade. Estivesse viva minha madrinha, sempre se atualizando com seu tempo,  e talvez me dissesse: “isso é do tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça”, denotando no interlocutor ingenuidade ou burrice. Sempre é bom poder escolher.
 
E, para combinar com o mote, um vídeo do tempo em que se era cordial, até com o General Garrastazu Médici. Para ilustrar meu chororô.

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 12:22

14
Jan 09

 

¡Miren cómo nos hablan de libertad,
cuando de ella nos privan en realidad!
¡Miren cómo pregonan tranquilidad,
cuando nos atormenta la autoridad!

¿Qué dirá el Santo Padre,
que vive en Roma,
que le están degollando
a sus palomas?

¡Miren cómo nos hablan del Paraíso,
cuando nos llueven penas como granizo!
¡Miren el entusiasmo con la sentencia,
sabiendo que mataban a la inocencia!

El que oficia la muerte como un verdugo
tranquilo está tomando su desayuno.
Con esto se pusieron la soga al cuello;
el quinto mandamiento no tiene sello.

Entre más injusticia, señor Fiscal,
¡más fuerzas tiene mi alma para cantar!
¡Lindo se dará el trigo en el sembrado,
regado con tu sangre, Julián Grimau!
 
 

Julian Grimau,
dirigente comunista espanhol, foi julgado sumariamente em 18 de Abril de 1963 e morto por fuzilamento dois dias depois.

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 20:44

 

O Guia de Todos os Povos deve estar perplexo. Intuitivo como é, apostou que quando o desemprego batesse à porta da indústria automotiva, bastaria dizer aos companheiros empresários que deveriam então devolver os benefícios regiamente recebidos, via financiamentos governamentais. Inclusive com o FGTS dos companheiros trabalhadores.
 
 
SÃO PAULO - Os empresários não pretendem aceitar a exigência de contrapartidas, por parte do governo, que tenha como objetivo a manutenção dos empregos em troca das ações que beneficiaram as empresas neste momento de crise, como a desoneração de impostos e o aumento das linhas de crédito oferecidas pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).”
 
 
Bem, parece que os companheiros empresários não estão mesmo no mundo para corresponder aos desejos do Guia e nem tudo corre bem por lá.
 
Que tal se ao invés dessa frustrada esperança, o Guia chamasse a gerentada da GM, da Volks, da Fiat, e pedisse a eles que apoiassem a companheirada, comprando um carro cada um? Um pedido assim, vindo do Guia de Todos os Povos, certamente seria acatado. Ou não?
 
TÓQUIO - A Toyota Motor informou na quarta-feira que cerca de 2.200 gerentes poderão comprar carros da companhia até o final do ano financeiro que acaba em 31 de março, em um esforço voluntário para ajudar a companhia a minimizar a deterioração do lucro.

A maior montadora de veículos do mundo deve sofrer seu primeiro prejuízo operacional, atingida por acentuada queda na demanda por carros no mundo. As receitas devem recuar 18 por cento em relação ao ano anterior.

"Não é uma decisão da empresa, mas os gerentes aparentemente criaram um programa voluntário em uma reunião informal", afirmou Keisuke Kirimoto, porta-voz da montadora.”
 
Vamos lá, nosso Guia. O Japão, ao contrário do que pode indicar sua intuição, faz mais do que quimonos e espadas samurais. Sustenta coletivamente seu consumo interno.Ah!  E seus filhos - não, não são os seus, nosso Guia - cometem o harakiri. Especialmente quando pegos em atitudes desonestas, contra seu país. Será que o Meirelles, que não é assim tão intuitivo, lê Mangá?
publicado por Adelina Braglia às 17:53

12
Jan 09

 

A partida não é para breve, camarada.
Ainda sentaremos no seu pátio,
para curtir o café e o papo.
Partir levará um pouco mais que o tempo do plantio, do cultivar e da colheita do milho.
Mas, vou mesmo colher o que plantei, longe daqui.
Levo você - e mais uns poucos -
na memória dos afetos que floresceram
e deram muitos bons frutos.
As ervas daninhas, já as larguei no caminho.
E uma mistura de falsa humildade
 - e real desalento – garantem:
os que nasceram aqui sempre sobreviverão sem mim,
eu, que sonhei um dia, que a partir da curva do Tocantins, mudaria o mundo.
Que não mudou como eu sonhei.
Mudei eu, ao longo das décadas.
Não sei se como o milho, mas amadureci.
...rsrsrs...
 
Sinto-me, às vezes, inútil.
Inadequada quase sempre.
Confundo-me, às vezes, com aquela “canjiquinha” com gosto de nada
que alguns teimam achar que se parece mesmo com o curau.
 
.
Abração.
Com saudades.
 
publicado por Adelina Braglia às 16:21

 

 

O senhor foi embora,
a senhora vai embora.
Vamos embora, camaradas,
raiando aurora, camaradas.
Ah, o trilho do trem...
a ditadura acabou com ele, por aqui,
e o palmito e a madeira
acabaram com as vacas chamadas pelo nome
e o pé de limão e a tigela de bacaba
(quem ouve falar, mais?)
e o milho comido no pé, cru, doce e líquido.
Nós, os que aqui nascemos,
já não nos conhecemos mais.
Somos espantalhos
postos nos campos que vendemos
para protegê-los de nós mesmos...
Adeus, senhor, adeus, senhora.
A Deus.
 
(Ana Diniz)
publicado por Adelina Braglia às 15:35

 

Em entrevista recente o Guia de Todos os Povos afirmou que não lia jornais, porque sofre de azia. Pudesse eu dar-me a esse luxo e também não leria suas avaliações e conclusões – ouví-lo já não ouço mais.
 
 
“BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta segunda-feira, 12, que os primeiros meses do ano serão "preocupantes" para o Brasil por causa da crise financeira internacional” (Agenciaestado)
 
 
Acompanhando a propaganda de um banco, o Presidente acatou seu slogan: em 2000inove! Acorda na segunda-feira, como quem se curou de uma ressaca e faz de conta que não se lembra de 2008, das piadinhas sobre a crise, da marola, ou do “Pergunte ao Bush!”.
 
 
Ave, Presidente! Os que já se preocupavam,te saúdam!
 
publicado por Adelina Braglia às 08:31

07
Jan 09

 

O que eu busco não são ruídos. São silêncios.
Silêncios sem divisão de porquês.
Uma poltrona confortável, uma manta, se aqui fizesse frio. Sento-me na cadeira que não tenho e me embrulho na manta que não há, para ouvir o silêncio das quase memórias que já posso escrever se não pela importância, pelo mérito da idade,
 
Memórias silenciosas, mas com sabores e cheiros...
Cheiro de doce de mamão verde feito pela avó e o ácido cheiro do leite recém tirado direto na caneca de alumínio no sítio da tia.
 
Gosto de ovo frito na vasilha de marmelada - com a latada bem batida para não cortar os dedos - ali colocado pela avó porque crianças não comiam em pratos de vidro: eram caros e podiam quebrar-se.
 
Quando a Usina Tamoio não comprou o açúcar dos lavradores da região,
meu avô, que não deixara de fazer o que fazia e recusara-se a plantar cana,
lastimou-se pelos vizinhos, mas orgulhava-se de não precisar de dinheiro, pois da rua só trazia sal e fósforos.
 
O resto era plantado e criado nos cinco alqueires que lhe davam a madeira da lenha, o trigo do pão, a batata do cozido, o feijão, o arroz, o leite de poucas vacas chamadas pelo nome e o café tirado dos pés plantados bem próximo à casa. Havia tomateiros. E um pequeno milharal, de onde o avô vinha com a carroça cheia, para alimentar as galinhas, os porcos e as crianças, que adoravam o curau que a avó fazia. E suas bonecas de sabugo eram a arte final com as abençoadas espigas.
 
Saudades do trem que me levava nas férias para esse cotidiano de amor e trabalho. Não sei se tinha planos ou sonhos nessa época. Devia tê-los. Mas eram, com certeza, frágeis. Não sobreviveram ao cheiro do fumo de corda do avô. Ou das lingüiças da avó.
 
O que eu sonho hoje, eu também não lembro quando acordo. Sonhos.
 
Acordo sem saber o que meu inconsciente trama, os desejos escondidos sob os pedregulhos da linha do trem que passava atrás da casa do avô.
 
 
 
publicado por Adelina Braglia às 22:08

05
Jan 09

 

Quando retornei ao Pará em 1996, depois de 4 anos de volta a São Paulo, tive a exata sensação de que as diferenças ditas “regionais” haviam se agravado, naquele curto espaço de tempo que passara fora daqui, mas que correspondia ao danoso Governo Collor. E isso não era pouca coisa nem ilusão de ótica. Aquele danoso governo provocou a aceleração dos contraditórios. E os que o sucederam mantiveram a bússola nesse estranho norte da subordinação. Intraregional e internacional.
 
A frase que dá título a este post é a que remete ao que escrevi em agosto de 1996: o fosso havia se alargado a ponto de nunca mais conseguirmos ser uma nação. Seríamos o que somos: uma federação de retalhos, onde para alguns a luta é pela cidadania plena e para outros a lenta caminhada pela compreensão de direitos, o que não é a mesma coisa.
 
Começo 2009 como uma contagem regressiva da volta para a casa, no final deste ano. Uma volta que mais se parece com o antigo ditado ou a lenda sobre os elefantes: o ditado diz que quando se envelhece, se busca o lugar onde nosso umbigo foi enterrado. A lenda é sobre a necessidade dos elefantes buscarem um lugar para morrer. Junto dos seus.
 
 Não há nada de trágico ou dramático neste escrevinhar. O Pará foi a terra onde escolhi viver. São Paulo é a terra que escolho para morrer – e até lá, viver em paz -  se a natureza ou o infortúnio não atrapalharem minha programação...rsrsrs...
 
Quanto ao fosso, alarga-se cada vez mais. Com a valiosa contribuição do governo local: medíocre, subordinando o bem comum a interesses infames de grupelhos e compadrios, alvo de deboches e piadas nem sempre passíveis de serem contadas na sala de jantar. Um governo mentiroso, que não cumpre compromissos e metas. Um governo que desqualificou totalmente a esperança que vendeu ao eleger-se. Um governo marcado por slogans sobre a defesa e a garantia de direitos, manchado por fatos que desmentiram totalmente essa intenção. Um governo que serve a apenas um senhor: a si mesmo.
 
Assim, vamos lá: não me despeço do Pará acabrunhada.
 
2009 promete.
publicado por Adelina Braglia às 10:30

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