O que eu busco não são ruídos. São silêncios.
Silêncios sem divisão de porquês.
Uma poltrona confortável, uma manta, se aqui fizesse frio. Sento-me na cadeira que não tenho e me embrulho na manta que não há, para ouvir o silêncio das quase memórias que já posso escrever se não pela importância, pelo mérito da idade,
Memórias silenciosas, mas com sabores e cheiros...
Cheiro de doce de mamão verde feito pela avó e o ácido cheiro do leite recém tirado direto na caneca de alumínio no sítio da tia.
Gosto de ovo frito na vasilha de marmelada - com a latada bem batida para não cortar os dedos - ali colocado pela avó porque crianças não comiam em pratos de vidro: eram caros e podiam quebrar-se.
Quando a Usina Tamoio não comprou o açúcar dos lavradores da região,
meu avô, que não deixara de fazer o que fazia e recusara-se a plantar cana,
lastimou-se pelos vizinhos, mas orgulhava-se de não precisar de dinheiro, pois da rua só trazia sal e fósforos.
O resto era plantado e criado nos cinco alqueires que lhe davam a madeira da lenha, o trigo do pão, a batata do cozido, o feijão, o arroz, o leite de poucas vacas chamadas pelo nome e o café tirado dos pés plantados bem próximo à casa. Havia tomateiros. E um pequeno milharal, de onde o avô vinha com a carroça cheia, para alimentar as galinhas, os porcos e as crianças, que adoravam o curau que a avó fazia. E suas bonecas de sabugo eram a arte final com as abençoadas espigas.
Saudades do trem que me levava nas férias para esse cotidiano de amor e trabalho. Não sei se tinha planos ou sonhos nessa época. Devia tê-los. Mas eram, com certeza, frágeis. Não sobreviveram ao cheiro do fumo de corda do avô. Ou das lingüiças da avó.
O que eu sonho hoje, eu também não lembro quando acordo. Sonhos.
Acordo sem saber o que meu inconsciente trama, os desejos escondidos sob os pedregulhos da linha do trem que passava atrás da casa do avô.