Ao transcrever o trecho da notícia abaixo tenho duas motivações: a demonstração de que a solidariedade não é um bem extinto, quando os quilombolas, ainda que vivendo em área insuficiente para a sua sobrevivência física e cultural, protegem os pequenos proprietários à volta.
"Com danças de reisado e um almoço com feijão tropeiro, os quilombolas da Comunidade de Povoado Tabacaria, em Alagoas, comemoraram ontem o recebimento de uma cópia do documento em que o governo federal reconhece e declara como território deles uma área de 410 hectares. As 89 famílias do lugar viviam até agora num pequeno lote de 1 hectare.
Diretores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foram até a comunidade, na zona rural do município de Palmeira dos Índios. O próximo passo será a desapropriação das áreas declaradas como parte do quilombo: três fazendas de médio porte dedicadas à criação de gado.
Embora a região seja dominada por minifúndios, os quilombolas pediram que nenhum pequeno proprietário fosse desapropriado. "É gente trabalhadora e pobre como a gente", disseram em documento enviado ao Incra. " (Agenciaestado)
A outra motivação é tentar motivar – gostaram ? – as almas da banda boa da bacia deste mundo a atentarem ao golpe na titulação de terras quilombolas, montado no Congresso pela ADIN patrocinada pelo Democratas e apoiado por segmentos retrógrados do próprio INCRA. A inconstitucionalidade do Decreto 4887, de 2003, que é o que esta ADIN questiona, é um golpe..
O direito dos remanescentes de quilombos de terem suas terras ocupadas ancestralmente regularizadas nas disposições transitórias da Constituição de 1988, foi uma conquista. Conquista fundada na crueldade da “libertação” de 1888. Que atirou a senzala porta a fora da Casa Grande, sem instrução, sem terra, sem trabalho.
A escravidão dos “irmãos do norte” quando legalmente finda, destinou a cada um uma mula e 40 acres de terra (não por acaso é esse o nome da produtora de Spike Lee). Aqui destinamos a eles e aos seus remanescentes, a rua. E séculos de inferioridade social.
As cotas positivas para os negros, hoje tão combatidas, jamais foram contestadas quando são negativas: a maior cota entre os analfabetos, entre os que recebem menores salários nas mesmas funções (e a qui a mulher negra é campeã), entre os pobres e os indigentes. Isso sempre pareceu natural, como o sol ou a chuva.
No estado do Pará são mais de 300 comunidades já arroladas, 40 terras tituladas, beneficiando mais de 100 comunidades. A diferença entre título e número de comunidades é porque o título quilombola é coletivo, mantendo historicamente a convivência entre famílias e agregados.
Até 2006, o Pará tinha o único programa estadual de apoio a quilombolas, tendo se tornado o estado campeão em titulações e contribui para que o estado respondesse, até dezembro daquele, ano a 50% das terras tituladas em todo o Brasil. O Programa hoje está reduzido em importância, tamanho, carece de orçamento próprio e tem um fraco desempenho, em que pese o esforço de setores do Instituto de Terras do Pará em mantê-lo vivo.
O direito à terra para os remanescentes de quilombos não é reforma agrária. É direito conquistado na Constituição e referendado pelo Brasil na
Convenção 169 da OIT.
É direito de reparação. E não pode ser descaracterizado.