Uma boa notícia, dirão os leitores ingénuos, supondo que, depois de tantos desenganos, ainda os haja por aí. A Igreja Anglicana, essa versão britânica de um catolicismo instituído, no tempo de Henrique VIII, como religião oficial do reino, anunciou uma importante decisão: pedir perdão a Charles Darwin, agora que se comemoram duzentos anos do seu nascimento, pelo mal com que o tratou após a publicação da Origem das Espécies e, sobretudo, depois da Descendência do Homem. Nada tenho contra os pedidos de perdão que ocorrem quase todos os dias por uma razão ou outra, a não ser pôr em dúvida a sua utilidade. Mesmo que Darwin estivesse vivo e disposto a mostrar-se benevolente, dizendo “Sim, perdoo”, a generosa palavra não poderia apagar um só insulto, uma só calúnia, um só desprezo dos muitos que lhe caíram em cima. O único que daqui tiraria benefício seria a Igreja Anglicana, que veria aumentado, sem despesas, o seu capital de boa consciência. Ainda assim, agradeça-se-lhe o arrependimento, mesmo tardio, que talvez estimule o papa Bento XVI, agora embarcado numa manobra diplomática em relação ao laicismo, a pedir perdão a Galileu Galilei e a Giordano Bruno, em particular a este, cristãmente torturado, com muita caridade, até à própria fogueira onde foi queimado.
ler mais no Caderno de Saramago.
"A mentirinha do século
A cada 11 de setembro que passa, mais e mais pessoas em todo o mundo reinventam a própria história para responder à clássica enquete sobre “o que você estava fazendo na hora dos ataques do terror a Nova York”. Oito anos após a tragédia, não há mais relatos de gente que estivesse, porventura, no banheiro, na cadeira do dentista, às turras com um operador de telemarketing ou falando sozinho num engarrafamento de amargar. Entre uma e outra torre abaixo, estavam todos fazendo negócios da China, sexo tântrico, viagens ao paraíso...
Mentir, no caso, não altera os fatos relevantes da efeméride. Só retoca a rotina tediosa dos sobreviventes do primeiro dia do resto do fim do mundo. Pense nisso: você tem a partir de agora um ano inteirinho para reprogramar seus passos naquele 11 de setembro de 2001. Uma dica: evite a sugestão aqui ventilada do sexo tântrico, que está super batida! Use a imaginação, mas, por favor, menos, ok?"
Os dias passados depois do dia 11, as torres e as torres e as torres, e a crítica ferina de Tutty Vasques lembram que aqui no Brasil..sil..sil.. não nos lembramos mais do outro ONZE: o do Chile, aquele do assassinato de Allende.
Não somos e nunca seremos mesmo parte da América Latina. Somos cucarachas. Nada melhor do que isso. A única similaridade - sempre pelo pior lado - é termos agora o nosso Perón, aquele que é amado pelos pobres e adorado pelos muito ricos. pelos banqueiros. Porque essa pesquisa do Datafolha parece que destaca apenas a alegria da bolha - ou dos bolhas - da classe média despolitizada.
PS: Santo Ambrósio, você sumiu mesmo? já pediu asilo???
Foi para a escola
e aprendeu a ler
e as quatro operações,
de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
- vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já era "o Senhor António"!...)
ficou dono da loja e chefe da família...
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!...
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos,
um nome respeitado...
- que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: - Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestão!...
(Tragédia - Manuel da Fonseca)