A questão das cotas raciais remexe a sociedade brasileira e seus nichos de elite: as Universidades e os intelectuais. A disputa dos manifestos pareceria um Palmeiras e Corinthians ou um Fla x Flu, e seria engraçada, se não expusesse a fratura racial da sociedade brasileira.
Dois manifestos foram entregues ao Supremo Tribunal Federal, um a favor e o outro, contra. Os que assinam a favor das cotas são velhos e aguerridos militantes do movimento negro e democratas que engajam-se em todas as lutas por direitos e desejos humanos. Ali não houve surpresas.
Para mim, as surpresas ficaram restritas a alguns que assinaram contra a implantação de reserva de cotas nas universidades públicas brasileiras, e considerados progressistas nas suas áreas de atuação: José Arbex Junior, Luiz Werneck Vianna, Lya Luft, Rodolfo Hoffman. Outros, eram esperados e devem ter encabeçado o movimento, conhecidos que são pelos argumentos bastante acatados pela mídia, pelos jornalões, pela Rede Globo sobre a tese da miscigenação como o caminho da cordial sociedade “mestiça”: Demétrio Magnoli, Yvonne Maggie, Peter Fry. Quanto à presença de Caetano Veloso entre esses, é apenas o velho Cae seguindo sua rota de canastrão após meados dos anos 90. Afinal, envelhecer não é para todos.
Os argumentos gerais dos “contra” baseiam-se na Constituição e já foram derrubados pelo Ministro Carlos Ayres no primeiro voto a favor das cotas no STF, que observou que a Constituição brasileira garante tratamento desigual aos desiguais. Os argumentos diretos remetem até a frase de Marthin Luther King retirada do seu contexto histórico e à afirmação “... as cotas raciais nos Estados Unidos não contribuíram em nada para reduzir desigualdades, mas aprofundaram o cisma racial que marca como ferro em brasa a sociedade norte-americana.” Como eles não desconhecem a história americana, considero gracioso - ou melhor, racista - esse argumento, como se o problema racial norte-americano tivesse sido agravado pela implantação das cotas.
Lembro que mesmo num regime declaradamente racista, os negros escravizados americanos receberam quarenta acres de terra e uma mula - não por coincidência o nome da produtora de Spike Lee – e os nossos receberam unicamente a porta da rua, dando seqüência a uma vida de exclusão, miséria e discriminação.
Outra “dúvida” dos “contra” é como se identifica quem é branco e quem não é. Resposta simples: pelos mesmos critérios que fazem com que o olhar branco da nossa sociedade achasse natural que durante décadas os negros usassem o elevador de serviço, ou que as mulheres negras tenham menos consultas pré-natal do que as mulheres brancas, ou que a “intuição” do patronato garanta que os trabalhadores negros ganhem em média 40% a menos do que os trabalhadores não-negros.
Os dois documentos foram anunciados assim pela maioria da imprensa: “Intelectuais entregam ao Supremo manifesto contra as cotas.”. “Militantes entregam ao Supremo documento a favor das cotas”, tentativa clara de desqualificar um documento feito por “militantes”. Entre os “militantes”, Oscar Niemayer, Nelson Pereira dos Santos, aristas negros e não-negros.
Os documentos estão disponíveis na WEB. Eu li os dois. Dediquei bastante atenção ao "contra” para melhorar meus argumentos a favor.