" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

15
Jan 08

 

A chuva me abate a tiros d’água!
 
 
As pessoas parecem mais tristes, as ruas mais sujas, o ânimo baixa a nível zero.
 
 
Uma calmaria toma conta da minha já pouca vontade de fazer qualquer coisa, em dias como este. Daí a ficar pensando e pensando, é só um pulo. Um salto. No escuro das memórias e do tédio de rodar em volta de mim. E com isso, aproveitar para me desculpar.
 
 
Hoje pela manhã tentava ser didática para dizer à Amanda que o homem é mau por natureza. É cruel, dominador. O que o contém são as regras, as normas, as leis. E que quando estas são desrespeitadas e rompidas, o portal da barbárie está aberto.
 
 
Esta conversa foi antecedida da notícia do espancamento de um garoto de 13 anos pela polícia de Recife. Notícias como essas são recorrentes. Cotidianas. Mas hoje, quem sabe pela chuva e pela minha alma molhada já ao amanhecer, apavorei-me. Senti a dor das cacetadas. Temi por meus filhos, pelos amigos, pelos estranhos.
 
 
Nossa conversa se alongou e me arrependi da minha veemência, pois quando ela saiu da sala, parecia abatida pelo meu desconsolo. Disse-lhe tantas verdades – minhas – acachapeia-a com a minha experiência e idade. Esqueci que na sua idade – 20 e poucos anos – eu saí para o mundo acreditando que transformá-lo era possível e que minha missão na terra – oh! Céus, como me achava importante – tinha que ser cumprida.
 
Saí de casa nos meus 20 e poucos anos acreditando que o homem é bom, que a sociedade é que o corrompe etc. e tal e que então – plim!plim! – mude-se a sociedade. Se eu ainda acredito nisto? Acredito. Mas acho que já perdemos o bonde. E que o descumprimento das regras e das leis – desde aquela que garante ao cidadão vida digna, com moradia, trabalho, saúde, educação, cultura e lazer – não retroagirá.
 
Pensei e disse a ela que as notícias de agressões policiais eram um limite insuportável para a minha crença na sociedade como contenção. Porque eu entendia que quando o cidadão é detido, é o momento em que ele é total e absolutamente responsabilidade do Estado. Mais do que quando demanda saúde, escola, trabalho ou moradia, porque de qualquer uma destas demandas, ele não é refém. Mas quando ele é detido ou preso, ele é refém do Estado. E que se o agente deste Estado o agride, ultrapassamos o limite do suportável.
 
Quero desculpar-me com ela. E comigo. Pedir desculpas pela minha descrença, pela fé que perdi num pedaço do caminho que não mais recuperei. E para parar de envergonhar-me pela missão não cumprida e para expor minha presunção de ser responsável (culpada?) por todas as maldades do mundo. E para que ela não desista de acreditar. Nunca.
 
Se amanhã houver sol, estarei melhor.
 
 
Um beijo, Amanda.
publicado por Adelina Braglia às 15:03

12
Jan 08

 

Na infância e na adolescência ouvi a madrinha dizer: isso é melancolia. As pequenas manchas roxas que apareciam no braço, no colo, recebiam esse pomposo nome.
 
Hoje a melancolia não tem o charme da definição da madrinha: é um diagnóstico que quase sempre acalma e ajuda a entender esse vácuo enorme, ainda que instantâneo, que emana, às vezes, da vida e contra o qual, às vezes também, eu reajo.
 
Melhor do que eu, fala o poeta, quem sabe um melancólico:
 
Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda
Quero fazer uma poesia.
Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado
E me trazer muito devagarinho.
Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave
Quero fazer uma poesia.
Se me telefonarem, só estou para Maria
Se for o Ministro, só recebo amanhã
Se for um trote, me chama depressa
Tenho um tédio enorme da vida.
Diz a Amélia para procurar a "Patética" no rádio
Se houver um grande desastre vem logo contar
Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa
Tenho um tédio enorme da vida.
Liga para vovó Neném, pede a ela uma idéia bem inocente
Quero fazer uma grande poesia.
Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde
Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem
Não quero perder nada na vida.
Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
Tenho um tédio enorme da vida.
Minha mãe estou com vontade de chorar
Estou com taquicardia, me dá um remédio
Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida
Já não me diz mais nada
Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo
Quero morrer imediatamente.
Fala com o Presidente para fecharem todos os cinemas
Não agüento mais ser censor.
Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho
Teu falso, teu miserável, teu sórdido filho
Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento
Que podia britar pedra alegremente
Ser negociante cantando
Fazer advocacia com o sorriso exato
Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
Sabe ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia.
 
(O falso mendigo – Vinícius de Moraes).
 

 

 

 

 

Mas é claro que o sol
Vai voltar amanhã
Mais uma vez, eu sei
Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem
Tem gente que está do mesmo lado que você
Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Tem gente enganando a gente
Veja nossa vida como está
Mas eu sei que um dia a gente aprende

Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior
de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem
Nunca deixe que lhe digam
Que não vale a pena
Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que você nunca vai ser alguém
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Mas eu sei que um dia a gente aprende

Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança


( Mais Uma Vez - Renato Russo)

publicado por Adelina Braglia às 21:16

11
Jan 08

 

 

 

 

 

 

Obrigada.

Beijão, Dulce.

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 15:28

 

 

Antigamente, se morria
1907, digamos, aquilo sim
   é que era morrer.


Morria gente todo dia,
   e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
   que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.


   Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
   E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.


   Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
   lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.


   Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
   uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
   O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.


   Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
   que deixava aquilo mais ou menos.


Tinha coisas que matavam na certa.
   Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.


   Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.
   A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.


   Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
   a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?


   Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
   Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
   de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?


   O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
   Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
   Agora, vamos ao testamento.


Hoje, a morte está difícil.
   Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
   E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
   inventou a criônica.


Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.

 


(O que passou, passou? - Paulo Leminski)


publicado por Adelina Braglia às 14:31

07
Jan 08

 

 

 

 

 

"De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança Do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro."

Fernando Sabino - O encontro marcado

publicado por Adelina Braglia às 21:40

05
Jan 08

 

 

 

 

O Padre Sérgio Tonetto morreu nesta madrugada, na Itália, sua terra natal, para onde foi em meados do ano passado, quem sabe esperando curar um câncer no pulmão, para retornar para a sua terra escolhida, o Pará, e continuar sua luta ao lado dos oprimidos, dos desvalidos dos poderes constituídos, da sorte e do que quer que fosse.
 
Padre Sérgio dedicou os últimos 30 anos da sua vida aos trabalhadores rurais e aos movimentos populares da região Guajarina. Vimos-nos pela primeira vez em 2003, no município de Acará, numa reunião onde discutimos a organização de uma comunidade quilombola para a titulação da terra.
 
A figura miúda, os cabelos grisalhos, a agitação na fala e nos gestos denunciavam Padre Sérgio de imediato: o sangue, o amor, a vibração, a coragem, a força, a solidariedade, tomavam conta daquela figura miúda e nada frágil.
 
Nós nos aproximamos aos poucos.  Do lado dele, havia a justificável cautela na relação com os que  representavam governos. Do meu lado, a curiosidade da aproximação com possíveis aliados, sem a intenção de cooptação. Mas era necessário esperar o tempo da confiança. E ele veio.
 
Passamos a combater o mesmo combate, do mesmo lado do campo de batalha, ainda que em trincheiras diferentes. Em alguns momentos divergimos na proposição de estratégias, mas nossa confiança –  já recíproca – fortaleceu uma amizade e um carinho que não pensei que fossem tão cedo quebrados pela doença e pela morte bruta.
 
Se um dia eu me convertesse, seria pelas mãos do Sérgio! Ele quase me fez acreditar em deus, num deus que ama, que acolhe, que ilumina os caminhos escuros do povo pobre, como ele gostava de dizer.

Numa noite estrelada, sentado num banquinho ao meu lado, enquanto esperávamos o sono para a noite que antecedia mais uma reunião,  Sérgio falou com veemência que as ações é que identificavam o cristão e me colocou no seu balaio. Garantiu-me que eu não precisava da sua absolvição, e rimos muito.
 
Vou sentir muita saudade, Padre Sérgio. Muita.
 
Neste finalzinho de tarde chuvosa, penso que retornar a Mojú, a Acará, a Concórdia ou a Bujarú, será uma boa maneira de reencontrar você. Vou fechar os olhos quando atravessar o rio Jambuaçú e com certeza vou ouvir você dizer: “Aqui, Adelina, é onde a vida tem sentido!”
 
Um abraço, Sérgio.
 
Até sempre.
 
As fotos são dos seus quilombolas, que estão muito tristes neste 5 de janeiro de 2008.
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 17:31

Numa noite onde o sono me abandonou antes das duas horas da madrugada, ocupei meu tempo com as inutilidades que fazem com que eu me sinta pertencendo a um tempo do qual cada vez mais me canso. Limpei novamente o arquivo de fotos: quantas fotos inúteis que, com o passar dos meses, não dizem absolutamente nada à alma ou à razão!
 
Depois, li os noticiários, ainda não renovados desde a noite de ontem. Fui passear nos blogs. Dei preferência aos blogs dos amigos e das companheiras de viagem.
 
No blog da Samartaime tropecei num link nos comentários. Fui parar aqui e a chamada sobre a desnecessidade a que nos habituamos e à qual acabamos servindo, quando consumimos mais do que precisamos e das formas mais suicidas possíveis, lembrou a campanha que o Instituto Akatu faz há tempos sobre o consumo consciente e que eu jamais segui.
 
Pela coincidência das missões quixotescas – convencer os imbecis que o caminho não é por aqui – fui aos Repórteres sem fronteiras,  li a nota no Koinonia sobre a pressão sobre os movimentos sociais, reli três poemas de Adélia Prado, entre eles o que eu acho que é meu preferido, Grande desejo
 
 “... quando escrever um livro com o meu nome,
e o nome que eu vou por nele
vou com ele a uma igreja, a uma lápide,
a um descampado,
para chorar, chorar e chorar,
requintada e esquisita como uma dama.”
 
 
E depois verifico que a RITLA nos informa que entre as nossas profundas desigualdades, acumulamos agora, modernamente, a desigualdade digital!
 
Escrevo  às 6 da manhã este sumário do meu itinerário na madrugada, talvez para tentar encontrar um elo entre isso e o meu itinerário na vida: a persistência no supérfluo, a ilusão do saber, a agonia da minha inutilidade, o desafogar desta ansiedade na poesia que escreveram para que eu pudesse usar quando necessária.
 
Só uma coisa me deu a certeza de que a minha sanidade ainda não está comprometida: fiz tudo isso ouvindo baixinho as músicas que me fazem bem.
 
 
 
publicado por Adelina Braglia às 06:52

04
Jan 08

 

Foto: www.globo.com

 

 

 

Barak  Obama.

 

Será sacaneado pelo sobrenome, que lembra Osama.

 

Será discriminado pela origem. Mas, bateu, na primeira prévia, aquela impostura chamada Hillary Clinton.

 

Torço por ele. Mesmo sabendo que os interesses do Grande Irmão do Norte serão sempre antagônicos aos nossos.

 

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 12:23

02
Jan 08

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 17:12

01
Jan 08

 

 

 

 

 

 

 

 

http://www.rsf.org/

 

 

publicado por Adelina Braglia às 18:51

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