" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

05
Jan 08

 

 

 

 

O Padre Sérgio Tonetto morreu nesta madrugada, na Itália, sua terra natal, para onde foi em meados do ano passado, quem sabe esperando curar um câncer no pulmão, para retornar para a sua terra escolhida, o Pará, e continuar sua luta ao lado dos oprimidos, dos desvalidos dos poderes constituídos, da sorte e do que quer que fosse.
 
Padre Sérgio dedicou os últimos 30 anos da sua vida aos trabalhadores rurais e aos movimentos populares da região Guajarina. Vimos-nos pela primeira vez em 2003, no município de Acará, numa reunião onde discutimos a organização de uma comunidade quilombola para a titulação da terra.
 
A figura miúda, os cabelos grisalhos, a agitação na fala e nos gestos denunciavam Padre Sérgio de imediato: o sangue, o amor, a vibração, a coragem, a força, a solidariedade, tomavam conta daquela figura miúda e nada frágil.
 
Nós nos aproximamos aos poucos.  Do lado dele, havia a justificável cautela na relação com os que  representavam governos. Do meu lado, a curiosidade da aproximação com possíveis aliados, sem a intenção de cooptação. Mas era necessário esperar o tempo da confiança. E ele veio.
 
Passamos a combater o mesmo combate, do mesmo lado do campo de batalha, ainda que em trincheiras diferentes. Em alguns momentos divergimos na proposição de estratégias, mas nossa confiança –  já recíproca – fortaleceu uma amizade e um carinho que não pensei que fossem tão cedo quebrados pela doença e pela morte bruta.
 
Se um dia eu me convertesse, seria pelas mãos do Sérgio! Ele quase me fez acreditar em deus, num deus que ama, que acolhe, que ilumina os caminhos escuros do povo pobre, como ele gostava de dizer.

Numa noite estrelada, sentado num banquinho ao meu lado, enquanto esperávamos o sono para a noite que antecedia mais uma reunião,  Sérgio falou com veemência que as ações é que identificavam o cristão e me colocou no seu balaio. Garantiu-me que eu não precisava da sua absolvição, e rimos muito.
 
Vou sentir muita saudade, Padre Sérgio. Muita.
 
Neste finalzinho de tarde chuvosa, penso que retornar a Mojú, a Acará, a Concórdia ou a Bujarú, será uma boa maneira de reencontrar você. Vou fechar os olhos quando atravessar o rio Jambuaçú e com certeza vou ouvir você dizer: “Aqui, Adelina, é onde a vida tem sentido!”
 
Um abraço, Sérgio.
 
Até sempre.
 
As fotos são dos seus quilombolas, que estão muito tristes neste 5 de janeiro de 2008.
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 17:31

Numa noite onde o sono me abandonou antes das duas horas da madrugada, ocupei meu tempo com as inutilidades que fazem com que eu me sinta pertencendo a um tempo do qual cada vez mais me canso. Limpei novamente o arquivo de fotos: quantas fotos inúteis que, com o passar dos meses, não dizem absolutamente nada à alma ou à razão!
 
Depois, li os noticiários, ainda não renovados desde a noite de ontem. Fui passear nos blogs. Dei preferência aos blogs dos amigos e das companheiras de viagem.
 
No blog da Samartaime tropecei num link nos comentários. Fui parar aqui e a chamada sobre a desnecessidade a que nos habituamos e à qual acabamos servindo, quando consumimos mais do que precisamos e das formas mais suicidas possíveis, lembrou a campanha que o Instituto Akatu faz há tempos sobre o consumo consciente e que eu jamais segui.
 
Pela coincidência das missões quixotescas – convencer os imbecis que o caminho não é por aqui – fui aos Repórteres sem fronteiras,  li a nota no Koinonia sobre a pressão sobre os movimentos sociais, reli três poemas de Adélia Prado, entre eles o que eu acho que é meu preferido, Grande desejo
 
 “... quando escrever um livro com o meu nome,
e o nome que eu vou por nele
vou com ele a uma igreja, a uma lápide,
a um descampado,
para chorar, chorar e chorar,
requintada e esquisita como uma dama.”
 
 
E depois verifico que a RITLA nos informa que entre as nossas profundas desigualdades, acumulamos agora, modernamente, a desigualdade digital!
 
Escrevo  às 6 da manhã este sumário do meu itinerário na madrugada, talvez para tentar encontrar um elo entre isso e o meu itinerário na vida: a persistência no supérfluo, a ilusão do saber, a agonia da minha inutilidade, o desafogar desta ansiedade na poesia que escreveram para que eu pudesse usar quando necessária.
 
Só uma coisa me deu a certeza de que a minha sanidade ainda não está comprometida: fiz tudo isso ouvindo baixinho as músicas que me fazem bem.
 
 
 
publicado por Adelina Braglia às 06:52

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