Uma coluna já cansada de me carregar e um tombo foram bons motivos para uma ausência, um “tilt”, um “break”.
O desconforto de ficar sentada escrevendo prejudicou a vontade que já andava fraquinha, pois escrever é resumir os letreiros que correm dentro da minha cabeça e eles andavam rodando lentos e confusos a ponto de sequer me dispor a filtrá-los. Uma conveniente soma de fatores.
Na verdade, o parágrafo acima é presunção pura. Creio que ordenar minha cabeça é tarefa na qual jamais me empenhei. No máximo, tiro a poeira das prateleiras, arrumo uma lembrança aqui, outra acolá, tento jogar fora algumas que apenas fazem peso sem significar nada e colocar outras recentes. E torcer para conseguir conviver com as boas e as más lembranças sem muitas culpas.
E, como a canção abaixo, acho que não há nada como um outro dia. Não necessariamente solitário.
Não sei. Vamos ao sábado. Com poesia. E música.
" Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
(Herberto Hélder)