Hoje senti saudade do Tim Maia. Saudade da sua figura rotunda, escrachada e da sua voz poderosa.Algumas figuras públicas fazem falta sempre e, em especial, em alguns momentos. E não foi muito difícil identificar essa súbita saudade do Tim. Ela traz a saudade da esperança, da alegria e da ingenuidade “revolucionária”.
Quando cheguei a Marabá, em 1977, duas músicas tocavam nas “bocas de ferro” das esquinas: Tim Maia e seu “..não sei porque você se foi...” e Paulo Diniz com seu “...um chopp pra distrair...” Quando eu saia pela manhã para o trabalho, Tim Maia cantava a plenos pulmões.
Era o final dos “anos de terror”. A anistia chegaria no ano seguinte. Brizola voltaria ao Brasil logo em seguida. E, neste final agonizante da ditadura - que no sul do Pará sobreviveria muito bem até o final de 1982 - havia a certeza da vitória! A vitória que levaria o povo ao poder e o pais à categoria de nação! E a minha trincheira para mudar o mundo era lá!
Meus dias eram bons. Ver o rio Tocantins "ao vivo", pois que eu o conhecia como um longo traço azul dos mapas das aulas de geografia, era uma emoção sempre renovada. Aprender a compreender o ritmo e os valores de pessoas que me ensinavam outra forma de viver. Diferenciar o sabor dos peixes de água doce dos filés de cação congelados que até então eu comia. Conhecer e saborear as frutas de nomes estranhos e muito sonoros, seus cheiros e sabores. Descobrir que as tabuletas de madeira nas casas onde estava escrito "Vende-se chopp", na verdade não vendiam chopp e sim suco congelado em saquinho plástico!
Aprender com muita dificuldade, mas com grande disposição, a refazer meus conceitos de vida, de alegria. E os meninos pulando do cais e aquelas risadas e desafios que faziam entre si, eram a coisa mais livre e bonita que até então eu não conhecia. E eu acabava achando que meus conceitos de pobreza precisavam ser revistos!
Passados 30 anos, sei que ocorreram mudanças importantes no campo dos direitos individuais, embora se confunda hoje consumo com cidadania. Quanto aos direitos coletivos, vamos caminhar mais três séculos. A desigualdade profunda ainda faz com que nascer seja o passaporte para uma vida de terceira classe. E o pulo do cais perdeu aquela sonora alegria.
Os meninos continuam com certeza tirando “tiúba” no cais do Tocantins. E eu vou continuar com saudade do Tim: sua voz continua límpida, trovejante. Sua voz não morreu. A tecnologia preservou-a. Eu não consegui tecnologia para preservar minha ingenuidade.