
Às vezes, e a cada vez dura mais tempo, tenho a sensação da inutilidade
da tristeza e da angústia.
É como se fossem moedas para eu mesma,
que de nada servem de mim para fora.
O calor da cidade entorpece,
agrava essa sensação de deslocamento,
como se o vapor que sobe invisível das calçadas
formasse uma cortina tênue,
a embaçar os sentimentos.
Mas gosto das noites quentes,
da lua cheia, do céu cor de veludo
azul.
A música não tem me ajudado.
Escuto música como se tivesse fones no ouvido,
e ela tocasse aqui dentro,
e só eu a escutasse com as distorções do meu humor.
Há dois dias não leio os jornais nem ouço os noticiários,
pensando com isto em aliviar a sensação de culpa
pelo país que deixamos
como um cavalo de Tróia
para nossos filhos e netos.
Dentro do cavalo,
a desonra, a canalhice, a deslealdade superam em número
outros valores que,
já derrotados na barriga do cavalo,
cairão no chão
sem fôlego.