Minha ex-professora, e depois grande amiga, está nesta noite na UTI, recuperando-se de uma cirurgia que desejamos que extirpe o tumor que quer cegá-la.
Ela e eu, passados 40 anos, cultivamos por charme e pirraça uma única divergência, sobre a blusa de bolinhas – como afirmo eu e que ela retruca que nunca vestiu roupa semelhante – que ela usava na primeira aula de português que deu para a minha turma de segundo ano clássico.
A partir daquela aula, movida pelo brilho do seu olhar, guiada pelo seu sotaque baianíssimo e orquestrada pelo seu caminhar de um lado ao outro da sala, eu aprendi mais do que literatura ou gramática portuguesa. Aprendi a gostar de escrever. Aprendi a ouvir poetas e estrelas. Aprendi a ouvir as pessoas.
Diz ela que eu era ótima aluna de redação. Não tenho memória disto e sempre me foi conveniente acreditar que ela fala a verdade. Mas, acho que os grandes ensinamentos vieram mesmo das tardes ou noites na cozinha da sua casa, desde que os seus filhos eram pequenos e eu não pretendia ter nenhum.
As conversas prosseguiram por quarenta anos, mesmo com a distancia geográfica que nos mantém afastadas há quase trinta! Porém, nas idas a São Paulo, as longas conversas na cozinha se repetem, movidas a café ou a batida de maracujá, sustentadas pela pizza que meu eterno chefe, seu marido, providencia, enquanto os nossos filhos cresceram e os netos chegaram.
Sua clareza, sua objetividade e seus olhos, às vezes cheios d´água, são o que o tumor quer lhe roubar. Dela e de nós, suas alunas, seu marido, seus filhos, filha, noras, genro, netos, irmãos, cunhados, sobrinhos e uma legião de amigos.
Caramba! Somos tantos a pedir por ela e por nós, Santo Ambrósio!
Não nos deixe mais tristes e pobres de amigos. Transforme nossa esperança de hoje numa barreira santa capaz de protege-la. Ela merece. E nós, também.
Amém.