O assunto esteve na mídia semana passada e como discordo veementemente de "coincidências", transcrevo meu comentário, publicado no AFROPRESS desta semana.
Axé!!!
"Europa, minha avozinha!
Depois dos cinquenta anos – e quase chegando aos sessenta – não se acredita mais em coincidências. Assim, é quase um insulto a sucessão de matérias veiculadas esta semana pela Rede Globo sobre a “farsa dos quilombos”, ao mesmo tempo em que o Estadão divulga em seu site a pesquisa financiada pela BBC sobre raça, DNA, identidade, utilizando figuras públicas como Seu Jorge, Daine dos Santos e outros, para “provar” que geneticamente, são mais europeus do que africanos.
Por partes, como Jack: as matérias da Globo questionam que as comunidades estão sendo reconhecidas sem que “documentos” históricos comprovem sua origem africana. No outro pedaço, a “coincidência” com a pesquisa que sugere que não há negros “puros” no Brasil.
Se o assunto não fosse sério, seria o caso de perguntar à Globo se ela já localizou algum quilombo japonês, escandinavo ou de remanescentes dos aborígines australianos. Mas, como o assunto é sério e a abordagem é insultuosa, seria o caso de perguntar apenas se a emissora preocupou-se em verificar o que diz a legislação, aliás, pergunta idêntica a que deve ser feita ao Presidente do INCRA, que na resposta a uma entrevista insinua que a instituição também está preocupada com farsas e que está exigindo comprovação de veracidade da condição quilombola.
A lei é clara quando garante às comunidades o direito à autoidentificação e o ônus da contestação não é do Estado brasileiro. Além disto, ao ratificar em 2004 a Convenção 169 o Brasil assumiu como lei este direito dos povos de declararem sua condição étnica.
É curioso que para discriminar sempre bastou a cor da pele ou a “suspeita” de traços genéticos, quando a cor da pele não era suficiente para apontar a origem.
Precursor no reconhecimento da auto-identificação como direito, o estado do Pará já emitiu 23 títulos para 70 comunidades, totalizando cerca de 450 mil hectares de terras de quilombos e jamais houve uma única contestação da condição quilombola, mesmo em áreas onde o estudo antropológico não foi executado.
É fundamental contestarmos imediatamente a “onda eurocêntrica”. E que os protagonistas e os apoiadores desta causa venham para o meio da sala, para não dançarmos. E que Seu Jorge cante e dance, que Daiane salte, ambos chacoalhando essa mistura de sangue, mas tendo a clareza do conceito de raça, contestado hoje cientificamente, mas que é o mesmo que fortaleceu a cidadania de segunda classe à qual os negros foram confinados."
Atualizado hoje, 06/05/2007, às 06:30 hs:
SOB A MALDIÇÃO DOS SIGNOS DA GENÉTICA
Fátima Oliveira
Jamais a biologia avalizou raça
como categoria biológica, cuja origem histórica e política foram mentes racistas.
Concordo com Maria Adelina Braglia que disse, em Europa, minha avozinha!, que é quase um insulto a sucessão de matérias veiculadas nos últimos dias pela TV Globo sobre supostas "farsas dos quilombos" e as distorcidas análises políticas da pesquisa patrocinada pela BBC, base do Especial Raízes afro-brasileiras, com o perfil genético de nove personalidades negras evidenciando que geneticamente são mais européias que africanas.
No site da BBC há um Fórum ("Você acha que o conceito de raça ainda faz sentido no Brasil?") que silencia sobre o "estupro colonial", base maior das trocas genéticas que nos legaram a mestiçagem – contexto no qual assumir a identidade racial negra é um posicionamento político corajoso – que não ousa dizer que raça não é, e jamais foi, uma categoria biológica. O mesmo vale para uma revista de notória gente "unha e carne" com o apartheid que vigorou na África do Sul, ao grafar na capa: "Raça não existe!" Demooorou…
Vocifera: o conceito de raça é um "disparate científico". Disparate é pouco. É uma mentira racista. E, agora José? Mas não fez o "mea culpa". Jamais a biologia avalizou raça como categoria biológica, cuja origem histórica e política foram mentes racistas. As vítimas não inventaram o "racismo científico" – excrescência que macula a humanidade e reaparece no Brasil hodierno com nova face. Querem nos impingir tal pecha. É infâmia demais!
Estudos da genética molecular, sob o concurso da genômica, são categóricos: a espécie humana é uma só e a diversidade de fenótipos e o fato de que cada genótipo é único são normas da natureza. Tendo o DNA como material hereditário e o gene como unidade de análise, é impossível definir quem é geneticamente negro, branco ou amarelo. O genótipo sempre propõe diferentes possibilidades de fenótipos. O que herdamos são genes, e não caracteres! Fato que não autoriza ninguém a dizer que o racismo não existe, pois a opressão racial/étnica é uma realidade que independe dos saberes da genética molecular.
Todavia o mimetismo do racismo é exuberante. No picadeiro, não parece, atende pelo nome de "racismo científico". O pano de fundo de tão racista "interesse" dos pauteiros tem endereço certo: as cotas raciais/étnicas e o Estatuto da Igualdade Racial, eleitos pelos "caras-pálidas" como "leis temerárias" de "alto potencial explosivo": "monstruosidades jurídicas que atropelam a Constituição – ao tratar negros e brancos de forma desigual – e oficializam o racismo". E arrematam: tais leis são institucionalizadoras do "cisma racial" (Ai, meus sais!); e se elas vigorarem "Será como apagar fogo com gasolina". Ah, há fogo?
E despudoradamente invocam o mérito! Qual mérito? Esquecem-se do mérito que é ter construído um país no lombo. Não foi? Ora, me compre um bode! Além do que mérito é um conceito cultural, arbitrário e mutável, segundo as circunstâncias. Essa gente sabe usar bem ao seu favor seus degenerados neurônios para nos desviar da rota anti-racista. Toquemos nossa agenda de luta por políticas públicas de Estado consistentes e condizentes com a necessidade que nos impõe o combate ao racismo. E que os "contra" se danem. É o quê manda a justa indignação política. Mas está em curso uma luta ideológica.
Em tal raia me bastam as palavras dos autores da "nova" pesquisa BBC: "a informação genética sobre a estrutura da população brasileira deve ser considerada apenas como subsídio para o processo de tomada de decisões. Não compete à genética fazer prescrições sociais. A definição sobre quem deve se beneficiar das cotas universitárias e das ações afirmativas no Brasil deverá ser resolvida na esfera política, levando em conta a história do país, o sofrimento de seus vários segmentos e análises de custos e benefícios". (Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas? Pena & Bortoloni. 2004). Bortoloni, eu não a conheço.
Mas o geneticista Sérgio Danilo Pena é uma glória da ciência brasileira. Ele é todo cintilância, pura purpurina, ao abordar as bases teóricas da ciência da qual é um especialista de renome mundial. Mas ao se mimetizar de analista e/o ativista político pisoteia em seu charmoso "black-tie" e renega os saberes do seu objeto de estudo: os genes. Por que será?