Estar muito cansada não é privilégio ou castigo.
É apenas o resultado das minhas opções e das minhas circunstancias.
Apesar disto, olho as pessoas nos olhos, especialmente os mais jovens.
Tento decifrar seus códigos explícitos e implícitos no olhar ansioso.
O erro é pensar a vida deles a partir dos meus parâmetros
e aí, quase enlouqueço.
Discuto a desnaturalidade da pobreza
e afirmo para a amiga, quase arrogantemente,
que entre ter a cabana e o pão por escolha
e tê-los unicamente como sina,
vai uma diferença muito grande.
O rio Pará faz um espelho d’água e, em outros tempos,
eu adoraria me ver refletida nele.
Agora, não quero ver meu reflexo.
Mas, neste final de semana assisti um espetáculo teatral.
Em Curralinho, Ilha do Marajó,
onde a ditadura das águas não tem contestação.
Dona Rosita, a solteira, de Garcia Lorca,
na tradução de Drummond.
Minha companheira é a professora de teatro,
os professores e alunos da escola pública local
estão transformados em atores entusiasmados.
O cenário cheio de flores de papel crepom por eles preparado,
e mais de cem crianças e adolescentes na platéia.
Meu rosto não tem mais leveza,
meu coração dói quase sempre
e minha esperança afundou de tal forma
que nem mesmo um mariscador experiente vai conseguir resgata-la.
Porém, percebi ali que, na verdade,
eu e a minha esperança é que andamos muito mofinas.
Os jovens, estes não.
Superam com risos soltos e olhos atentos a sua adversidade.
O rio Pará forma um imenso espelho d’água
e em outros tempos eu adoraria me ver refletida nele.
Como fazia no Tocantins, quando achava que meu rosto ali refletido
era a possibilidade imediata de mudar o mundo.
Mas hoje, na madrugada, as águas do rio Pará pareceram menos turvas.
E quase cheguei a ver Dona Rosita a bailar
com sua sombrinha e seu chapéu florido.
E me convenci que não sou protagonista da história.
Os protagonistas são os que estão vivos.
E, se quero ao menos ficar na platéia,
que trate de encontrar rápido
um bom mariscador!