" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

07
Abr 07

Acordei com vontade de fazer as pazes comigo.

E fui buscar em Benedetti um recado pra mim.

Vamos lá:

 

 

 

 

 

No te quedes inmóvil al borde del camino
no congeles el júbilo
no quieras con desgana
no te salves ahora
ni nunca.

No te salves
no te llenes de calma
no reserves del mundo
sólo un rincón tranquilo
no dejes caer lo párpados
pesados como juicios
no te quedes sin labios
no te duermas sin sueño
no te pienses sin sangre
no te juzgues sin tiempo.

Pero si
pese a todo
no puedes evitarlo
y congelas el jubilo
y quieres con desgana
y te salvas ahora
y te llenas de calma
y reservas del mundo
sólo un rincón tranquilo
y dejas caer los párpados
pesados como juicios
y te secas sin labios
y te duermes sin sueño
y te piensas sin sangre
y te juzgas sin tiempo
y te quedas inmóvil
al borde del camino
y te salvas
entonces
no te quedes conmigo.

 

(No te salves - Mario Benedetti)

 

publicado por Adelina Braglia às 13:22

06
Abr 07

 

... nem tudo está perdido!

Lá vem eles!!!

 

 

 

 

 

 

 

Alice Cooper rides again!!!

(Foto: Agenciaestado)

 

publicado por Adelina Braglia às 23:20

 

 

 

A moça arruma seu patrimônio imaterial disfarçado em matéria.

 

Aqui eu também mudo.

Mudo com  sofrimento porque é assim que deve ser.

Porque eu não quero mudar

e perco-me na mudança tentando achar o meu avesso.

 

 

Do lado de lá, há muitos quadros, muitos livros,

muitas histórias, muita música.

 

Do lado de cá, um quase nada que cabe em 8 caixas,

e em alguns escritos,

e em algumas fotografias,

e em algumas músicas que cantarolo de memória,

desde o tempo da Canção para a Unidade Latino-americana

até chegar a Jorge Palma.

 

Do lado de lá, apenas a casa ficará vazia.

 

Do lado de cá, preencho com sinos de vento

o vazio de estar trancada em minha “casa”,

uma casa sem teto, sem piso e sem paredes onde moro há tanto tempo,

e que não tem a graça ou a leveza da cantiga do Vinícius.

 

Mas bastaria eu unificar estas mudanças

e magicamente me transportar para lá,

aliviando, imaginariamente, o meu cansaço

podendo descansar minha cabeça

nos pés da moça,

imaginariamente massageados com cânfora.

E arnica.

publicado por Adelina Braglia às 15:33

05
Abr 07

 

 

 

Debaixo d'água tudo era
mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Debaixo d'água
se formando
como um feto
sereno confortável
amado completo
sem chão sem teto
sem contato com o ar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo d'água por encanto
sem sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber
o quanto esse momento
poderia durar

Mas tinha que respirar

Debaixo d'água ficaria
para sempre
ficaria contente
longe de toda gente
para sempre
no fundo do mar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo d'água
protegido salvo
fora de perigo aliviado
sem perdão e sem pecado
sem fome sem frio
sem medo
sem vontade de voltar

Mas tinha que respirar

Debaixo d'água tudo era
mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

 

 

(Debaixo d'água - Arnaldo Antunes- 2001)

 

 

 

... e se aqui eu soubesse colocar música, você ouviria isto na voz de Maria Bethânia (O mar de Sophia)

 

publicado por Adelina Braglia às 10:52

03
Abr 07

 

 

Quem se eu gritasse, me ouviria pois entre as ordens
Dos anjos? E dado mesmo que me tomasse
Um deles de repente em seu coração, eu sucumbiria
Ante sua existência mais forte. Pois o belo não é
Senão o início do terrível, que já a custo suportamos,
E o admiramos tanto porque ele tranqüilamente desdenha
Destruir-nos. Cada anjo é terrível.
E assim me contenho pois, e reprimo o apelo
De obscuro soluço.

Ah! A quem podemos
Recorrer então? Nem aos anjos nem aos homens,
E os animais sagazes logo percebem
Que não estamos muito seguros
No mundo interpretado. Resta-nos talvez
Alguma árvore na encosta que diariamente
Possamos rever. Resta-nos a rua de ontem
E a mimada fidelidade de um hábito,
Que se compraz conosco e assim fica e não nos abandona.
Ó e a noite, a noite, quando o vento cheio dos espaços
Do mundo desgasta-nos o rosto -, para quem ela não é /sempre a desejada,
Levemente decepcionante, que para o solitário coração
Se impõe penosamente. Ela é mais leve para os amantes?
Ah! Eles escondem apenas um com o outro a própria sorte.
Não o sabes ainda? Atira dos braços o vazio
Para os espaços que respiramos; talvez que os pássaros
Sintam o ar mais vasto num vôo mais íntimo.

Sim, as primaveras precisavam de ti.Muitas estrelas
Esperavam que tu as percebesses. Do passado
Erguia-se uma vaga aproximando-se, ou
Ao passares sob uma janela aberta,
Um violino se entregava. Tudo isso era missão.
Mas a levaste ao fim? Não estavas sempre
Distraído pela espera, como se tudo te ansiasse
A bem amada? (onde queres abrigá-la
Então, se os grandes e estranhos pensamentos entram
E saem em ti e muitas vezes ficam pela noite.)
Se a nostalgia te dominar, porém, cantas as amantes; muito
Ainda falta para ser bastante imortal seu celebrado sentimento.
Aquelas que tu quase invejaste, as desprezadas, que tu
Achaste muito mais amorosas que as apaziguadas. Começa
Sempre de novo o louvor jamais acessível;
Pensa: o herói se conserva, mesmo a queda lhe foi
Apenas um pretexto para ser : o seu derradeiro nascimento.
As amantes, porém, a natureza exausta as toma
Novamente em si, como se não houvesse duas vezes forças para realizá-las.
Já pensaste pois em Gaspara Stampa
O bastante para que alguma jovem,
A quem o amante abandonou, diante do elevado exemplo
Dessa apaixonada, sinta o desejo de tornar-se como ela?
Essas velhíssimas dores afinal não se devem tornar
Mais fecundas para nós? Não é tempo de nos libertarmos,
Amando, do objeto amado e a ele tremendo resistirmos Como a flecha suporta à corda, para, concentrando-se no salto Ser mais do que ela mesma?
Pois parada não há em /parte alguma.

Vozes, vozes.Escuta, coração como outrora somente
os santos escutavam: até que o gigantesco apelo
levantava-os do chão; mas eles continuavam ajoelhados,
inabaláveis, sem desviarem a atenção:
eles assim escutavam. Não que tu pudesses suportar
a voz de Deus, de modo algum. Mas escuta o sopro,
a incessante mensagem que nasce do silêncio.
Daqueles jovens mortos sobe agora um murmúrio em direção /a ti.
Onde quer que penetraste, nas igrejas
De Roma ou de Nápoles, seu destino não falou a ti, /tranqüilamente?
Ou uma augusta inscrição não se impôs a ti
Como recentemente a lousa em Santa Maria Formosa.
Que eles querem de mim? Lentamente devo dissipar
A aparência de injustiça que às vezes dificulta um pouco
O puro movimento de seus espíritos.

Certo, é estranho não habitar mais terra,
Não mais praticar hábitos ainda mal adquiridos,
Às rosas e outras coisas especialmente cheias de promessas
Não dar sentido do futuro humano;
O que se era, entre mãos infinitamente cheias de medo
Não ser mais, e até o próprio nome
Deixar de lado como um brinquedo quebrado.
Estranho, não desejar mais os desejos. Estranho,
Ver tudo o que se encadeava esvoaçar solto
No espaço. E estar morto é penoso
E cheio de recuperações, até que lentamente

se divise um pouco da eternidade.

 - Mas os vivos
Cometem todos o erro de muito profundamente distinguir.
Os anjos (dizem) não saberiam muitas vezes
Se caminham entre vivos ou mortos. A correnteza eterna
Arrebata através de ambos os reinos todas as idades
Sempre consigo e seu rumor as sobrepuja em ambos.

Finalmente não precisam mais de nós os que partiram cedo,
Perde-se docemente o hábito do que é terrestre, como o /seio materno
suavemente se deixa, ao crescer.Mas nós que de tão grandes
mistérios precisamos, para quem do luto tantas vezes
o abençoado progresso se origina - : poderíamos passar /sem eles?
É vã a lenda de que outrora, lamentando Linos,
A primeira música ousando atravessou o árido letargo,
Que então no sobressaltado espaço, do qual um quase /divino adolescente
escapou de súbito e para sempre, o vazio entrou
naquela vibração que agora nos arrebata e consola e ajuda?

 

(Primeira elegia – Rainer Maria Rilke)


(*) Traduções do poeta paraense Paulo Plínio Abreu
publicadas no jornal "Folha do Norte" entre os anos
de 1946 e 1948, realizadas em parceria com o
antropólogo alemão Peter Paul Hilbert

Obrigada, Cris.

publicado por Adelina Braglia às 20:55

 

 

Estar muito cansada não é privilégio ou castigo.

É apenas o resultado das minhas opções e das minhas circunstancias.

 

Apesar disto, olho as pessoas nos olhos, especialmente os mais jovens.

Tento decifrar seus códigos explícitos e implícitos no olhar ansioso.

O erro é pensar a vida deles a partir dos meus parâmetros

e aí, quase enlouqueço.

Discuto a desnaturalidade da pobreza

e afirmo para a amiga, quase arrogantemente,

que entre ter a cabana e o pão por escolha

e tê-los unicamente como sina,

vai uma diferença muito grande.

 

 

O rio Pará faz um espelho d’água e, em outros tempos,

eu adoraria me ver refletida nele.

Agora, não quero ver meu reflexo.

 

Mas, neste final de semana assisti um espetáculo teatral.

Em Curralinho, Ilha do Marajó, 

onde a ditadura das águas não tem contestação.

Dona Rosita, a solteira, de Garcia Lorca,

na tradução de Drummond.

Minha companheira é a professora de teatro,

os professores e alunos da escola pública local

estão transformados em atores entusiasmados.

O cenário cheio de flores de papel crepom por eles preparado,

e mais de cem crianças e adolescentes na platéia.

 

Meu rosto não tem mais leveza,

meu coração dói quase sempre

e minha esperança afundou de tal forma

que nem mesmo um mariscador experiente vai conseguir resgata-la.

Porém, percebi ali que, na verdade,

eu e a minha esperança é que andamos muito mofinas.

Os jovens, estes não.

Superam com risos soltos e olhos atentos a sua adversidade.

 

O rio Pará forma um imenso espelho d’água

e em outros tempos eu adoraria me ver refletida nele.

Como fazia no Tocantins, quando achava que meu rosto ali refletido

era a possibilidade imediata de mudar o mundo.

 

Mas hoje, na madrugada, as águas do rio Pará pareceram menos turvas.

E quase cheguei a ver Dona Rosita a bailar

com sua sombrinha e seu chapéu florido.

E me convenci que não sou protagonista da história.

Os protagonistas são os que estão vivos.

E, se quero ao menos ficar na platéia,

que trate de encontrar rápido

um bom mariscador!

publicado por Adelina Braglia às 14:35

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