Final de domingo de Páscoa e eu passei parte do dia lembrando do meu pai. Talvez porque durante muito tempo eu estranhei a forma como ele, um ateu assumido, comemorava a data.
Em casa este era um dia mais importante do que qualquer outro. Mais do que o Natal ou a passagem de ano, quando o pai e meu irmão faziam aniversário.
O dia começava com as pegadas de coelho pelo chão, feitas com farinha de trigo, e aquela trilha levava aos ovos de chocolate escondidos. Mas, antes de achar os de chocolate, caíamos na armadilha dos ovos coloridos.
O pai cozinhava ovos e os tingia na água da casca de cebola e na água da beterraba. E alguns ovos, uns roxos, outros alaranjados, faziam a ansiedade crescer, até chegarmos onde estavam os que realmente interessavam. Os de chocolate!
O pai começava cedo a preparar o almoço. Os pastéis de forno eram uma delícia. Aquilo que hoje se chama risoles e que o pai, não sei porque cargas d’água chamava bolinhos baianos! O recheio era de camarão, muito bem temperado, sempre com um pouquinho de pimenta malagueta. Eram cuidadosamente feitos, em forma de meia lua.
O prato principal variava. Quando a mãe estava afim, fazia um gnocchi. Delicioso. Um dos poucos pratos saborosos que ela preparava. Ou então, era mesmo o pai quem dava continuidade ao cardápio: lasanha, ou carne assada de forno.
O cheiro da infância vem junto com essas palavras. O forno quente, o piso vermelho da cozinha. O pai sentado na cadeira para enxergar melhor o ponto do assado ou dos bolinhos, pois seus quase dois metros dificultavam que fizesse isto em pé!
Mas, voltando ao seu ateísmo, uma vez, depois de muita insistência minha, ele contou a história da comemoração. O pai foi criado pela avó, italiana imigrante, pobre, lavradora. Moravam no interior de São Paulo e ela era muito religiosa.
Num domingo de Páscoa, estavam sós os dois em casa, e na hora do almoço, havia apenas meio pão para comer. Ela sentou-se com ele à mesa, pediu a benção de Deus, e repartiu o meio pão, que o pai comeu, mas ainda ficou com muita fome. E, neste dia, fez um juramento: que quando ele crescesse e tivesse filhos, a Páscoa seria a festa mais bonita do ano.
O pai cumpriu sua promessa até a morte.
E eu, menos atéia do que ele, pois que me pego às vezes pedindo a não sei quem que proteja meus filhos, minha neta, meus irmãos e meus amigos, acordo todo domingo de Páscoa com uma imensa saudade do meu pai. E com uma enorme vontade de que nas mesas de todas as famílias houvesse uma farta e alegre refeição, com falsos ovos coloridos e verdadeiros ovos, com recheio de esperança e cobertura de chocolate.