O Chico tem uma música que diz..."pra mim, basta um dia..." e foi com ela que o meu rádio-pessoal-obsessivo me acordou hoje. E pensei que um dia não basta, mesmo que a música e a poesia insistam nisso. Além, é claro, da metodologia dos 12 Passos do AA que ensina que se vive um dia de cada vez!
Fiz a conta rápida dos meus - cerca de 21.000 dias - e, na verdade, só tenho mesmo garantido, para o futuro, este que aqui está. Talvez nem até o final dele.
Se este for o último, penso de imediato que não daria tempo de abraçar os irmãos e os amigos, beijar os filhos, a nora e a neta. Como sempre "simplifico" a vida, há irmãos, amigos, filhos , nora e neta espalhados em lugares extremos deste meu país. Além dos amigos que vivem longe deste Brasil difuso, partido em pedaços, e que nunca mais será uma nação.
Minhas coisas, agora reunidas num só cubículo, ficariam sem a minha revisão final do que me é agradável, necessário e útil. Nessa ordem. Mas, aqui nada de mal ocorrerá. Afinal, há quase 30 anos elas viajam Brasil afora, sem precisar da minha avaliação!
É certo que a música não diz que é preciso. Ela diz que basta um dia "(...) pra aplacar minha agonia, toda a sangria, todo o veneno de um pequeno dia." Mas, insisto que a mim não basta. E, mesmo levando em conta que não abracei o suficiente, nem beijei o quanto queria nos 21.000 que já gastei, precisaria de mais trinta dias.
Acordaria cedo amanhã - o que faço habitualmente - procuraria primeiro os amigos mais próximos geograficamente, o que, no momento, significaria encontrar um bom local em São Paulo, onde poderia reuni-los em grupos de três ou quatro, por vez, para fazermos pequenos almoços de despedida. Na certa não seriam almoços tristes, pois riríamos muito da nossa juventude compartilhada em sonhos, fantasias, desejos e angústias. Seriam no máximo 3 ou 4 encontros. Amigos mesmo, dos quais gostaria de despedir-me, não há mais do que uma dúzia.
Os irmãos! Com estes, queria reunir-me sem testemunhas estranhas a nossa particular irmandade. Lembraríamos nossa infância, a perda do pai e da mãe, minha tutoria legal concedida pelo avô, para que eu pudesse exercer plenamente a tutoria afetiva. Concluiríamos que nos saímos bem, apesar de tudo. Para facilitar, acho que marcaríamos um encontro no planalto central do país, meio caminho entre Belém e São Paulo, onde vive uma e onde vive o outro. E há as irmãs postiças! Elas fariam parte - como fizeram da nossa vida - deste encontro da irmandade.
Os filhos, a neta e a nora. Seria em São Paulo. Afinal, Beatriz não conhece São Paulo e antes da despedida, iríamos certamente ao zoológico, para que Bia conhecesse as girafas. Não haverá muito a dizer aos filhos, além do amor explícito e da certeza de que os erros foram enormes, mas perdoáveis. Quanto à neta, esta seria a despedida mais dolorosa, pois ela perguntaria: "Você vai demorar, vó?"
Os amigos do Pará, eu os reuniria em Mosqueiro, de uma só vez. Adoro aquela ilhota lambida por água salobra, que faz de conta que vive à beira-mar! Peixe, cerveja gelada, dois finais de tarde com direito a arco-íris e muita, muita conversa jogada fora. Sem tristezas. Uma revisão afetuosa das nossas diferenças e semelhanças.
Aos amigos distantes eu diria adeus pelo blog. Escolheria um poema que pudesse dizer do carinho apesar da distancia. Provavelmente de Drummond ou Quintana.
Os amores? Nenhuma despedida. Porque é inevitável no amor a necessidade de fazer "revisões" e descobrir os porquês. E perderíamos um tempo precioso, que para mim não haveria mais como recuperar. Ficam impressos na alma. É onde sempre estiveram e estão.
Feito isto, aí sim, bastaria só mais um dia, pois "(...) se beija, se maltrata, se come e se mata, se arremata, se acata e se trata a dor na orgia da luz do dia (...)" e a orgia seria com vodka, rum, pepsi-cola e vinho. Tinto.