" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

15
Jan 07

 

Se amanhã eu te desconhecer,

reconheça-me nos dias de chuva,

dos quais sempre reclamei.

Reconheça-me nas manhãs de abril,

nas tardes de maio e nas noites de junho,

nas risadas soltas e leves,

nos choros incontidos dos dias de tormento.

Se amanhã eu não te reconhecer

é porque me perdi de vez de mim.

 

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 00:45

12
Jan 07

 

O Chico tem uma música que diz..."pra mim, basta um dia..." e foi com ela que o meu rádio-pessoal-obsessivo me acordou hoje. E pensei que um dia não basta, mesmo que a música e a poesia insistam nisso. Além, é claro, da metodologia dos 12 Passos do AA  que ensina que se vive um dia de cada vez!
 
 
Fiz a conta rápida dos meus -  cerca de 21.000 dias -  e, na verdade, só tenho mesmo garantido, para o futuro, este que aqui está. Talvez nem até o final dele.
 
 
Se este for o último, penso de imediato que não daria tempo de abraçar os irmãos e os amigos, beijar os filhos, a nora e a neta.  Como sempre "simplifico" a vida, há irmãos, amigos, filhos , nora e neta espalhados em lugares extremos deste meu país. Além dos amigos que vivem longe deste Brasil difuso, partido em pedaços, e que nunca mais será uma nação.
 
 
Minhas coisas, agora reunidas num só cubículo,  ficariam sem a minha revisão final do que me é agradável, necessário e útil.  Nessa ordem. Mas, aqui nada de mal ocorrerá. Afinal, há quase 30 anos elas viajam Brasil afora, sem precisar da minha avaliação!
 
 
É certo que a música não diz que é preciso. Ela diz que basta um dia "(...) pra aplacar minha agonia, toda a sangria, todo o veneno de um pequeno dia." Mas, insisto que a mim não basta. E,  mesmo levando em conta que não abracei o suficiente, nem beijei o quanto queria nos 21.000 que já gastei, precisaria de mais  trinta dias.
 
 
Acordaria cedo amanhã - o que faço habitualmente - procuraria primeiro os amigos mais próximos geograficamente, o que, no momento, significaria encontrar um bom local em São Paulo, onde  poderia reuni-los em grupos de três ou quatro, por vez, para fazermos pequenos almoços de despedida. Na certa não seriam almoços tristes, pois riríamos muito da nossa juventude compartilhada em sonhos, fantasias, desejos e angústias. Seriam no máximo 3 ou 4 encontros. Amigos mesmo, dos quais gostaria de despedir-me, não há mais do que uma dúzia.
 
 
Os irmãos! Com estes,  queria reunir-me sem testemunhas estranhas a nossa particular irmandade. Lembraríamos nossa infância, a perda do pai e da mãe, minha tutoria legal concedida pelo avô, para que eu pudesse exercer plenamente a tutoria afetiva. Concluiríamos que nos saímos bem, apesar de tudo. Para facilitar, acho que marcaríamos um encontro no planalto central do país, meio caminho entre Belém e São Paulo, onde vive uma e onde vive o outro. E há as irmãs postiças! Elas fariam parte - como fizeram da nossa vida - deste encontro da irmandade.
 
 
 
Os filhos, a neta e a nora. Seria em São Paulo. Afinal, Beatriz não conhece São Paulo e antes da despedida, iríamos certamente ao zoológico, para que Bia conhecesse as girafas. Não haverá muito a dizer aos filhos, além do amor explícito e da certeza de que os erros foram enormes, mas perdoáveis. Quanto à neta, esta seria a despedida mais dolorosa, pois ela perguntaria: "Você vai demorar, vó?"
 
 
Os amigos do Pará, eu os reuniria em Mosqueiro, de uma só vez. Adoro aquela ilhota lambida por água salobra, que faz de conta que vive à beira-mar! Peixe, cerveja gelada, dois finais de tarde com direito a arco-íris e muita, muita conversa jogada fora. Sem tristezas. Uma revisão afetuosa das nossas diferenças e semelhanças. 
 
 
Aos amigos distantes eu diria adeus pelo blog. Escolheria um poema que pudesse dizer do carinho apesar da distancia. Provavelmente de Drummond ou Quintana.
 
 
Os amores? Nenhuma despedida. Porque é inevitável no amor a necessidade de fazer "revisões" e descobrir os porquês. E perderíamos um tempo precioso, que para mim não haveria mais como recuperar. Ficam impressos na alma. É onde sempre estiveram e estão.
 
 
Feito isto,  aí sim, bastaria só mais um dia, pois "(...) se beija, se maltrata, se come e se mata, se arremata, se acata e se trata a dor na orgia da luz do dia (...)" e a orgia seria com vodka, rum, pepsi-cola e vinho. Tinto.
 
 
 
 
 
publicado por Adelina Braglia às 12:58

11
Jan 07

 

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
— Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.


Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida —
a vida mera das obscuras.
 
 
(Todas as vidas – Cora Coralina)
publicado por Adelina Braglia às 23:13

 

No Meu Bazar de Idéias (Bazar Do Santos Passos, aí ao lado), gostei muito do post que transcrevo:

 

Nas aldeias de Portugal, mais do que nas vilas e cidades, o bom relacionamento com os vizinhos é de importância fundamental.
Daí, recolhi em Passos de Lomba este provérbio:

Que não dure mais
O mau vizinho
Do que a neve marcelina.


A neve marcelina é a neve do mês de março. Fraca, vai logo embora.

Propus a ele que se transformasse o verso em mantra, corrente na NET,  qualquer coisa a ser disseminada, bastando substituir o "mau vizinho" por "mau governo", seja ele de que esfera for.

O SP  aprovou a idéia, o que considero uma autorização. Daí, vamos lá!

Um pouco de fé em tempos bicudos não faz mal algum!

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 14:16

 

Meu já quase amigo Paulo Sérgio Lopes Prazeres (que beleza este sobrenome!) contou que em Portugal usa-se a palavra forgalha, para as sobras de pão, os farelos que ficam sobre a mesa.
 
A palavra forte, sonora,  ficou ecoando na minha cabeça por muito tempo depois que saí do seu consultório. E continua aqui, circulando, pedindo mais do que apresenta-la a quem a desconhece.
 
Nós usamos migalhas ou farelos, e fica sempre a impressão de resto, de sobra. Forgalha não. Dá às migalhas uma dignidade incrível! Recebem um nome forte e pomposo, de quem tem vida própria.
 
Penso que foi isso que fez a palavra circular no meu sangue tanto tempo. Penso que como me sinto farelo dos meus sonhos, migalha dos meus projetos, ao descobrir que posso ser forgalha me deu um quê de dignidade!
 
Abração, Paulo. Sem dor.
publicado por Adelina Braglia às 10:22

10
Jan 07

 

" Pode não significar nada, ou pode significar muita coisa. Nos últimos 20 dias, o governo federal empenhou R$ 34,4 milhões em emendas de parlamentares do PSDB e do PFL, fato não muito comum. O valor empenhado (compromissado para posterior pagamento) para os dois partidos corresponde a 36,5% do valor global empenhado, no que diz respeito às emendas individuais*. Tal fato pode confirmar os rumores que chegaram ao conhecimento do presidente da Câmara, Aldo Rabelo, no sentido de que o governo estaria, ao liberar emendas, favorecendo a candidatura de Arlindo Chinaglia, conquistando parlamentares até da oposição."

(http://contasabertas.uol.com.br/noticias/detalhes_noticias.asp?auto=1594)

 
A notícia acima não traz nada de novo nos 506 anos de política no Brasil.
Reconheço as pequenas mudanças na política brasileira. Estas mudanças, tão desesperadamente lentas, não têm que corresponder às minhas expectativas, isto também eu reconheço.
Elas irão alterar, através do fortalecimento das organizações populares e pela  atuação de alguns organismos de fiscalização e controle da sociedade civil, este quadro recorrente e danoso da partilha do país entre bandos e bandas.
Mas hoje, a única coisa que me ficou, depois de ler a notícia, foi um profundo desalento, fruto talvez da minha presunção e arrogância, e a voz de Ivan Lins, na canção em parceria com Vitor Martins:
 
Perdoem a cara amarrada,
perdoem a falta de abraço,
perdoem a falta de espaço,
os dias eram assim...

Perdoem por tantos perigos,
perdoem a falta de abrigo,
perdoem a falta de amigos,
os dias eram assim...

Perdoem a falta de folhas,
perdoem a falta de ar
perdoem a falta de escolha,
os dias eram assim...

E quando passarem a limpo,
e quando cortarem os laços,
e quando soltarem os cintos,
façam a festa por mim...

E quando lavarem a mágoa,
e quando lavarem a alma
e quando lavarem a água,
lavem os olhos por mim...

Quando brotarem as flores,
quando crescerem as matas,
quando colherem os frutos,
digam o gosto pra mim...

Digam o gosto pra mim...
 
 
(Aos nossos filhos)
 
publicado por Adelina Braglia às 12:58

09
Jan 07

 

 foto:www.terra.com.br

 

Ontem eu assisti o  DVD de Cássia Eller, um show magnífico no Rock in Rio. Não sei o ano.

O que sei é que enquanto olhava aquela moça exuberante,  cantando E.C.T , lembrei que sempre invejei os transgressores.

Modestamente, me ative aos transgressores "nacionais": Tim Maia, Raul Seixas, Cazuza, Renato Russo, Ellis. Aqueles que tiveram em comum a morte antes do esperado?  ou que demonstraram que a camisa de força do convencional nem sempre nos cabe dentro?

Sei lá. Só sei que devorei minha inveja, coloquei-a silenciosamente  na sacolinha da responsabilidade pública e privada, e fui dormir triste.

Porque lembrei disto agora, quando o day after já vai ao meio?

Não tenho certeza. Acho que foi porque a sacolinha ficou meio aberta.

 

 

publicado por Adelina Braglia às 18:13

 

 

Esta trama de cores se desfaz

se eu separo caule, folhas  e flores.

E a trama em que estou metida?

Separo realidade, desejos e possibilidades?

Como caules, folhas e flores?

São Benedito, São Benedito,

onde estás que não respondes?

 

 

publicado por Adelina Braglia às 15:24

08
Jan 07

 

Matrículas em 2005 e 2004, segundo etapas/modalidades da Educação Básica
Etapas/Modalidades de
Educação Básica
2005
2004
Diferença:
2005-2004
Variação % em
relação a 2004
Ensino Fundamental
33.534.561
34.012.434
-477.873
-1,4%
Ensino Médio
9.031.302
9.169.357
-138.055
-1,5%
Fonte: INEP/MEC –Censo Escolar

 
 
Os resultados do Censo Escolar 2005, trazem uma indicação clara de que a juventude brasileira considera desimportante o estudo. A “análise oficial” no entanto justifica essa retração nas matrículas entre 2005 e 2004, com esta pérola de raciocínio:
 
 “(...)A redução no Ensino Fundamental foi de 1,4%, concentrada no primeiro segmento (1ª a 4ª série). No Ensino Médio, a matrícula apresentou uma variação negativa de 1,5% em comparação com 2004. A queda na matrícula nas cinco séries iniciais do ensino fundamental (–1,6%) já era esperada, pois reflete tanto a melhoria do fluxo escolar – indicando que o sistema de ensino brasileiro vem diminuindo a retenção de alunos nas séries iniciais – quanto à transição demográfica em curso no país. (...)” (o grifo é meu)
 
O analista de plantão nem sequer se preocupou em justificar o crescimento significativo das matrículas no ensino profissionalizante (4,6%), o que confirmaria o desestímulo dos jovens para o ensino formal e derrubaria a ficção de raciocínio que a redução das matrículas no ensino formal se deveu apenas à melhoria no fluxo escolar ou à  alteração nas taxas demográficas! Afinal, deve ser  a "intuição" que leva o jovem a abandonar a possibilidade de adquirir conhecimento, substituindo-a pela tentativa de ter uma profissão! Entre Platão e o torno mecânico, certamente o futuro é mais garantido no torno!
 
Nenhuma palavra também sobre a enorme discrepância entre o total de matrículas no ensino fundamental (33 milhões) e o total de matrículas no ensino médio (9 milhões), o que sugere, como parâmetro, que menos de um terço dos que concluem o fundamental procuram ou têm acesso à complementação dos estudos! Ou, o analista justificaria isto, de novo, pelo movimento das taxas demográficas ou poderia usar a informação oficial de que a morte violenta entre jovens na faixa etária de 18 a 24 anos é hoje a maior causa mortis nesse segmento. Assim, estaríamos eliminando, literalmente, a concorrência por vagas no ensino médio!
 
Os resultados do  Censo Escolar apontam  que entre os que declararam sua cor no ato da matrícula no ensino fundamental e médio, os pretos e pardos são maioria na escola pública  (48,9%), enquanto os brancos são maioria nas escolas privadas (51,1%). Aqui o analista não fez nenhum comentário. Afinal, deve parecer natural que os brancos procurem a escola particular, onde o ensino é, no geral, de melhor qualidade. Nenhuma palavra sobre a defesa da política de cotas para o ingresso dos jovens negros na universidade, que seria reforçada por estes números!
 
Tá. Fui eu que acordei aziaga. Talvez seja isso.
 
publicado por Adelina Braglia às 10:58

 

 

O rombo da folha roída não o intimida.

O que para mim,

na minha proporção,

pareceria o abismo,

para ele é curiosidade.

E a vida segue, sem dramas.

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 01:46

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