" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

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Dez 06

 

Qual é o cerne da saudade?
Deve-se fazer silêncio, deixa-la dourar ao sol,
esperar o outono, para que no verão ela amadureça
qual manga verde?
Devemos ser discretas,
aprender a caminhar sem fazer ruído,
e a cantar entre-dentes,
para que os sons não saiam da boca?
É necessário ter uma tigelinha grafada em gramas,
daquelas que a mãe usava pra fazer bolos,
para saber ao certo a medida da saudade?
Não, não importune a moça com a sua saudade.
Pergunte-se primeiro o que contém a saudade.
Memórias, sons, risos, poemas, músicas,  palavras?
Quem disse que saudade é falta, ausência?
Não, a saudade se faz de plenitudes  pra ser melhor compreendida.
A moça lhe dá tantas lições e você não as aprende!
Diria a mãe: quem muito quer, nada tem.
Talvez. A mãe quase sempre tinha razão.
 
(22.08.2005)
publicado por Adelina Braglia às 21:56

 

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

( José  -  Carlos Drummond de Andrade)

 

Neste site vocês ouvem Drummond  recitando  seu poema:

http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema022.htm

 

publicado por Adelina Braglia às 12:47

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