
(...) “Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza” (...)
As coisas têm peso,
massa, volume, tamanho,
tempo, forma, cor,
posição, textura, du¬ração,
densidade, cheiro, valor.
Consistência, profundidade,
contorno, temperatura,
função, aparência, preço,
destino, idade, sentido.
As coisas não têm paz.
(As coisas)
As árvores são fáceis de achar
Ficam plantadas no chão
Mamam do sol pelas folhas
E pela terra
Também bebem água
Cantam no vento
E recebem a chuva de galhos abertos
Há as que dão frutas
E as que dão frutos
As de copa larga
E as que habitam esquilos
As que chovem depois da chuva
As cabeludas
As mais jovens mudas
As árvores ficam paradas
Uma a uma enfileiradas
Na alameda
Crescem pra cima como as pessoas
Mas nunca se deitam
O céu aceitam
Crescem como as pessoas
Mas não são soltas nos passos
São maiores, mas
Ocupam menos espaço
Árvore da vida
Árvore querida
Perdão pelo coração
Que eu desenhei em você
Com o nome do meu amor.
(As árvores)
O amor é feio
Tem cara de vício
Anda pela estrada
Não tem compromisso
O amor é isso
Tem cara de bicho
Por deixar meu bem
Jogado no lixo
O amor é sujo
Tem cheiro de mijo
Ele mete medo
Vou lhe tirar disso
O amor é lindo...
O amor é lindo
Faz o impossível
Amplia o infinito
O amor é bonito
O amor é santo
Conforto de um manto
O amor é graça
Ele dá e passa
O amor é livre
O amor é livre
O amor é livre
O amor é livre
(O amor é feio)