Olho sempre com os olhos de primeira vez
coisas que a memória tinha por dever preservar,
como coisas e experiências já vistas e vividas,
e por obrigação de ofício
ela não me deixar surpreender.
Tenho uma sede infinita de saber,
mas não o persigo disciplinadamente.
Aposto demais na minha intuição.
Já gostei mais das pessoas.
Fui tolerante para além da minha capacidade
e isso me infringia às vezes tanta dor
que era quase insuportável.
Amei meu pai sobre todas as coisas,
compreendi mal a minha mãe.
Só ao perde-la aprendi a enxergar suas virtudes,
que reneguei durante toda a sua vida.
Amei pouquissimas vezes, embora intensamente
e gostaria de ter amado mais
Amei muito os filhos
mas foi um amor sem exigências.
Deveria ter lhes imposto limites mais claros
para que se sentissem mais fortes
para arrancar da vida, com as próprias mãos,
o trigo e o joio,
a dor e a delícia de se ser o que se é,
que Gal canta tão bem.
Ouvi muita música,
pois nela eu parecia encontrar sempre as respostas.
Amei os poetas, pela mesma razão.
Portanto, ouvi músicas e li poemas pelos motivos errados.
Hoje ouço menos música do que preciso
e leio menos do que necessito, inclusive os poetas.
Minhas mãos, tal qual a música de Sérgio Endrigo,
parecem mani bucate quando começo
a fazer esta contabilidade da vida.
Mas, hoje, porque é domingo
e o dia está lindo,
e porque eu sinto a saudade estranha
daquilo que não vi e nem vivi,
só quero comemorar antecipadamente um aniversário.
Vai daqui o beijo imaginado,
o abraço não dado,
o carinho que não basta.