(...) "Da mesma forma, observa-se que os atuais detentores de riqueza são cada vez menos descendentes de atividades produtivas lícitas, decorrentes da inevitável e aceitável evolução do trabalho empreendedor. A sorte deles é que o país deixou -lamentavelmente- de exigir a comprovação de suas capacidades meritórias, pois os ricaços de hoje dificilmente teriam o mesmo sucesso na vida não fosse a corrosão do caráter do homem público em meio ao avanço do submundo privado e da especulação financeira com o dinheiro público.
É no labirinto do submundo das fortunas ilícitas que parcela do meio empresarial se transforma em um covil diabólico, com saques às instituições, fraudes aos mercados e pilhagem nos negócios legítimos via o chamado "caixa dois". Numa sociedade selvática, os negócios legais são usados como "fachadas" que encobrem transações ilícitas, adulteram preços, medidas e produtos. Também gera propaganda enganosa e apropriação indébita a fim de fraudar impostos e condições isonômicas de competição, o que redireciona o código de ética para o dinheiro e o enriquecimento individual e imediato.
É por isso que há dificuldades para localizar nos ricos de hoje algum sentimento de missão com o qual o país possa se identificar. A ganância pelo dinheiro os torna cada vez mais alienados, pois tudo o que possuem tende a se resumir ao dinheiro ou a sua incessante busca, salvo poucos casos especiais. Nesse sentido, não há como produzir um projeto de país capaz de possibilitar a inclusão do conjunto do povo frente ao atual padrão de enriquecimento com origem na especulação financeira, nas heranças patrimoniais e no submundo privado. Inversamente à concentração da riqueza, permanece intacto o déficit nos serviços públicos indispensáveis à vida civilizada." (...)
"Na toada desse modelo econômico comprometido com as altas finanças e distante de uma reforma tributária que atue progressivamente sobre os ricos, prossegue intocável o processo de enriquecimento improdutivo. Simultaneamente, também deve continuar a decadência socioeconômica nacional.
Alguns até poderão alegar que a situação atual não é de decadência ou, mesmo em sendo, teria brevidade. É claro que, se consideradas as sete décadas que constituíram o mais longo período de decadência nacional -verificado entre o final do ciclo do ouro, no século 18, e a ascensão da economia cafeeira, no século 19-, o lapso de tempo atual, que já dura um quarto de século, pode ser menor. Há sempre otimistas para tudo no Brasil."
Marcio Pochmann, 43, economista, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy). http://www.outrobrasil.net/