Ainda não me refiz das cenas do jornal matutino, onde adolescentes infratores apareciam acocorados no canto do pátio do presídio. Manifestei isso pela manhã, no comentário anterior, mas ainda não sei como vou conseguir dormir. Lembro de uma frase do jornalista Clóvis Rossi, há anos atrás afirmando que somos o país dos que não dormem, com medo dos que têm fome. Por isso, pensei em escrever aos meus filhos, para lhes dizer que não era essa a mudança que queríamos, e para lhes dizer que não era medo o que pretendíamos lhes deixar como herança.
Não foi esse o Brasil pelo qual morreram tantos, muitos se perderam e outros desapareceram. Não foi esse o Brasil que a minha geração sonhou e, mais do que sonhou, comprometeu-se nas diferentes formas de luta para construir um país melhor.
Alguns, como eu, " os reformistas", acreditavam na mudança por dentro e lá se foram engajar no movimento estudantil e, quando mais maduros, no movimento sindical. Alguns seguiram mais à frente, mas a luta armada revelou-se apenas um caminho célere para a tortura e a morte. Estou certa, porém, que nenhum de nós sonhou o fracasso e a barbárie como resultantes, em que pesasse termos tantas divergências, que nos tornávamos presas frágeis para a ditadura.
E hoje, a barbarie está aí, ao nosso redor, seja pelos meninos acocorados no canto do pátio, seja pelas meninas prostitutas nas orlas nordestinas e nos centros metropolitanos, seja pelos velhos abandonados, seja pelos homens e mulheres - adultos ou jovens - sem trabalho, ou com salários aviltantes. O multiplicar de crimes hediondos, como o estupro e a tortura de crianças, as chacinas brutais entre rivais pelo controle do tráfico, a violência das torcidas de futebol, as mortes anônimas, gratuitas, estúpidas, os cruéis indicadores da barbárie. Contra isso, a oficialidade reinante divulga os índices otimistas de crescimento da indústria paulista!
Aí, só me vem a vontade de pedir desculpas pelo patrimônio tristonho que vocês herdam, pela pátria sem brilho, pelo chão lamacento, pelo céu cor de chumbo.
Perdão, meninos. Os meus e os outros.
publicado por Adelina Braglia às 23:03
Helicópteros, batalhão de choque da Polícia Militar, policiais civis, todos estão concentrados no centro de reclusão de adolescentes infratores, debelando a rebelião do presídio do Tatuapé. As cenas mostradas na TV são terríveis, os meninos estão nús, acocorados no canto do pátio, há policiais pelos telhados. Há notícias de meninos, policiais e reféns feridos durante a madrugada. Tudo muito grave, muito sério.
Mas, eu sonho: e se a tropa, os helicópteros, os policiais civis, após controlarem os perigosíssimos menores infratores - e alguns são mesmo perigosos, aprendizes que foram da não-vida e da não-cidadania brasileiras - seguissem para a casa do Palocci, do Serginho Land-Rover e do Delúbio e os recolhesse aos costumes? e passassem bem ali, pelo Palácio dos Bandeirantes ou onde quer que esteja morando a antiga inquilina, e pedissem pra Dona Lu Alckmin devolver os vestidinhos que, dizem os jornais, ficaram indevidamente em seu poder?
Eu, pelo menos, passaria a dormir melhor.
Fui.
publicado por Adelina Braglia às 09:44
A viagem de Marcos Pontes ao espaço.
"Nunca passou no meu pensamento ser um astronauta. Mas, tive um amigo no colégio nazaré que além de gostar daqueles uniformes horríveis, queria vestir um. O quintal da casa na generalíssimo era grande então, forneci o espaço para seus experimentos, uma espécie de Cabo Canaveral (na época tinha esse nome) caseiro, como nós o denominamos. Ajudava nos planos das naves e disso eu gostava; desenhar foguetes espaciais. A experiência ia bem até a maior ousadia, no feitio do projeto de um foguete entre cinquenta e sessenta centímetros de altura e a infeliz escolha da base de lançamento, a ponta do quaradouro, perto do tanque de lavar roupa. O foguete explodiu e se desfez, mas também deixou rastros da experiência frustrada num pedaço queimado de um lençol, além do lugar para quarar parcialmente destruído. Fomos proibidos de prosseguir com as experimentações pelo meu pai, que nos mostrou uma alternativa, a do aeromodelismo, segundo ele, menos perigosa (dizia que por sua vontade eu seria um piloto aéreo). Pararam por ali minhas aventuras de Ícaro e meu amigo? Hoje, é um conhecido advogado.
Que benefícios a viagem de Marcos Pontes trouxe para o país? Não enxergo um que seja palpável e concreto, sou ainda mais pessimista, um provável orgulho nacional será passageiro, serve como cortina de fumaça para as mazelas da pátria que nos pariu - já tivemos outras (cortinas e não pátrias) - e o que ficará como um exemplo a ser assimilado por nossas crianças? Só o tempo dirá.
Li que o astronauta brasileiro levou oito experimentos nacionais para a estação espacial. Experiências de universidades como projetos para analisar os efeitos da gravidade nas enzimas, nas proteínas, danos e reparos do DNA na germinação e no crescimento das sementes de feijão. O objetivo é desenvolver conhecimentos na realização de pesquisas em ambientes quase sem gravidade disse o ministro da ciência e tecnologia. Nosso Gagarin (lembram?) fará relatórios sobre cada uma dessas experimentações. Bom, não sei avaliar o alcance científico disso tudo, se melhorar a qualidade da feijoada e seus efeitos colaterais posteriores (afinal, a questão mexe com aspectos gravitacionais, não?), já é alguma coisa
Nessa viagem a nação gastou 10 milhões de dólares. Sabe-se que os russos queriam vinte e deixaram pela metade. Se alguém me propõe um desconto de 50% numa compra eu desconfio, o cara queria, antes da oferta, me enganar ou tem alguma coisa por trás da qualidade do produto oferecido. Números como esses confundem, principalmente após ler uma notícia sobre patrocínios aos clubes europeus de futebol e nela constatar que valor da viagem do Marcos é, também, a metade do patrocínio da Sansung ao time de do Chelsea, equipe do técnico português José Mourinho, atual líder do campeonato inglês. Vá entender..."
(Jaime Bibas)
publicado por Adelina Braglia às 08:26
De tão contemporâneo, vale o "repeteco"!
(...)
A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
agressões políticas nas ruas,
e de vez em quando o cometa de um regicídio
que ilumina de prodígio e de fanfarra
os céus usuais e lúcidos da civilização quotidiana!
Notícias desmentidas dos jornais,
artigos políticos insinceramente sinceros,
notícias passez à la-caisse,
grandes crimes - duas colunas deles passando para a segunda página!
(...)
Ode triunfal - Álvaro de Campos
publicado por Adelina Braglia às 05:09