" Um Estado de Exceção.
Todas as políticas do Estado são de exceção: Bolsa-Família, por reconhecer que o salário é insuficiente mas não pode ser aumentado; vale-gás, por reconhecer que o gás de cozinha é insubstituível, mas não se tem dinheiro para comprá-lo; bolsa-escola, para melhorar o salário insuficiente e lograr evitar a evasão escolar, que ao mesmo tempo pode punir o pai que não manda o filho à escola;fome-zero, por reconhecer que não se pode zerar a fome. Vale-transporte já vem de longe. E o salário-mínimo não pode aumentar porque arromba as contas da Previdência.
(...)
Muito pessimismo e argumentação economicista. A política e a democracia não são a negação do domínio do econômico, não se constituiram assim na história do último século ? Perdão: aqui do que se trata é que a dinâmica do capitalismo globalizado anulou a autonomia das esferas. Além disso, na minha tradição teórica, a economia política é a anatomia da sociedade. Se quisermos fazer uma ciência social à la americana, sem determinações recíprocas entre as diversas esferas, poderemos até ver virtude numa sociedade civil que institui segurança nos morros do Rio e nas imensas Heliópolis veja-se o sarcasmo da denominação grega de São Paulo.Não é o meu caso; chamem Duda Mendonça. A obrigação da ciência social é perscrutar, com a paciência e a indignação de Sherlock Holmes a quem interessa essa desolação. Esse Pedro Páramo da democracia.Obrigado, Rulfo."
(Francisco de Oliveira: O capital contra a democracia, in: Seminário Os sentidos da democracia e da participação, 2003.)