Quando a alma está asmática,dos pulmões não sai o ar.
Quando uma dor fininha perpassa as costas de um lado ao outro,
eu lembro do anúncio do bonde:
"Veja ilustre passageiro o belo tipo faceiro
que o senhor tem ao seu lado!
E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite,
salvou-o o Rhum Creosotado."
E lembro da minha mãe fazendo chás e mezinhas
por não saber fazer carinhos.
E do pai a atar a rede no centro da nossa sala,
a tecer as malhas finas pro peixe que não pegava,
porque mais lhe valia tecer as malhas de linha,
do que jogá-las na água.
E lembro do corre, corre, nas calçadas da infância,
dos mendigos residentes nas ladeiras da nossa rua.
Cada um chegava à porta como velho conhecido,
lavavam as mãos e os pratos que consigo carregavam.
Ali recebiam água limpa, comida feita na hora,
e o respeito das crianças.
Lembro da festa junina, da dança que não dancei,
porque se partira a sandália!
E o ar, devagarinho, vai saindo dos pulmões,
como se desanuviasse os porões da minha memória.