Tenho que fazer a revisão de um texto desconexo.
A chatice de faze-lo me induz a imaginar que se eu tivesse sido o que queria - cantora de boate - talvez hoje estivesse indo dormir bem cedo pra enfrentar, na madrugada de amanhã, a fila do INSS, pra curar uma bronquite adquirida entre copos de gelo e cigarros. Muitos. Mas, teria cantado noites inteiras e ensaiado passos de dança cantando Sabor a mi, enquanto o garçom filósofo atenderia os velhos quase bêbados e as mulheres excessivamente pintadas, na sala enfumaçada.
Sim, essa é a minha fantasia de boate, ou de bar da noite, como cantava a Nora Nei:
Bar, tristonho sindicato, de sócios da mesma dor,
bar, que é o refúgio barato dos fracassados do amor
Ao mesmo tempo, essa fantasia que me acompanha desde a juventude, e que não se realizou, anda de mãos dadas com outras, que também não se realizaram: os sonhos de revolução, a idéia de um Brasil justo, a expectativa de um povo feliz.
Assim, cá estamos, eu com cinqüenta e seis anos e o Brasil com muitos mais, revisando um texto desconexo.
Vamos em frente.
Fui.