" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

05
Nov 05

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Foto: Rosa Almeida prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" />

Catar os cacos do caos como quem cata no deserto
o cacto
- como se fosse flor.

Catar os restos e ossos da utopia como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.

Catar a verdade contida em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
- do dia cão.

Recortar o sentido como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo a reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionísio e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado 
- como era antes.

Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça? 
Então de cabeça quebrada vamos sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção

Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fim

Não é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.

Catar os cacos do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora

(Catando os cacos do caos - Affonso Romano de Sant'Anna)


























































publicado por Adelina Braglia às 20:19

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