Eu, cá com a minha sensação de que a vida de repente é uma imagem da TV, distante de mim, não causo mal ao mundo. Há até vantagens nessa sensação: o tal distanciamento...risos...
Tenho uma vida boa: dois filhos, que como todas as criaturas desta categoria, despertam em nós o amor total e a fúria total. Tenho meu amor prevalente sobre todo e qualquer outro, construído ao longo de anos e anos de solidariedade e afeto. E muita generosidade, pelo menos do lado de lá. Dali vem o colo, o carinho e a reprimenda que sempre mereço.
Irmãos. Entre nós estabelecemos uma relação dura e terna como sói aos que se amam umbilicalmente. Literalmente.
Há os amigos especiais que andam comigo, onde quer que eu esteja: uns ao alcance da mão, outros a 4 mil quilômetros, mas sempre ao alcance da saudade e de qualquer sussurro meu pedindo por carinho.
Ah! a neta. E, por consequência, a sua transportadora para o meu mundo, a nora. São duas meninas, uma brinca de mãe e a outra de filha. Incorporadas ao meu lado bom, as duas.
Meu trabalho me dá prazer de tal jeito, que através dele invento cumprir minhas esperanças não realizadas do sonho coletivo, e realizo-me hoje no sonho miúdo, de lugar em lugar, de pessoa em pessoa, como se plantasse sementes pra daqui mil anos. Mas gosto do que faço.
E aí? perguntam meus três leitores, entediados, se chegaram até aqui. Não sei.
Farto-me de pensar que os meus privilégios, esses descritos acima, bastam, fosse eu menos presunçosa em relação à expectativa sobre a vida. Mas sou. Presunçosa, arrogante até. Tanto que criei meu santo próprio, Santo Ambrósio - não, não é o que é real, se é que existe um Santo Ambrósio no condomínio dos céus - a quem apelo às vezes, umas brincando e outras pra valer, pra que ele alivie esse meu desconforto de estar no mundo. Ou que normatize essa dor fininha, encaixe-me no escaninho dos egoístas, pra gente conferir se meu problema é culpa.
Pois bem, Santo Ambrósio, mexa-se! O dia está lindo!