Um dia, quando criança, minha mãe inventou de nos dar limonada purgativa. Na verdade, um trem amargo pra caramba, comprado na farmácia, numa garrafinha até simpática. Segundo a mãe, aquilo era milagroso: limpava intestinos, estômago e o que mais houvesse em nossos corpos de criança (meus irmãos e eu). Dizia ela: isso vai purificar o sangue! E nós nem sequer protestávamos, pois que parecia mesmo milagrosa essa coisa de limpeza do sangue!
Lembrei dessa história hoje porque filosofava com a analista sobre os meus conflitos profissionais, por acatar ao longo da vida o que a luta política nos revela e impõe, sempre em nome de uma grande causa, tipo: o fim justifica os meios, o objetivo principal é que tem que ser alcançado, e até mesmo quem tem boca vai a Roma, embora o camarada Stalin talvez nunca tenha dito isso!
Essa minha rotineira crise de auto-crítica, é costumeira. Penso que nasceu comigo, desde a infância, quando eu me sentia já tão onipotente que achava que as borboletas morriam porque eu não lhes havia prestado a devida atenção.
Mas, de volta à auto-crítica, embora a prática do centralismo democrático nos tenha acachapado quanto à crítica individual - auto-crítica só vale se for coletiva! - eu, sempre um pouco indisciplinada, fazia a minha, ainda que às vezes me trancasse no banheiro e apenas murmurasse minhas culpas ( ou pecados?). Se bem que isso de trancar-se no banheiro tem mais a ver com os ensinamentos do colégio religioso do que com a formação para a militância.
Por que me veio à cabeça a limonada purgativa? Porque enquanto saia do consultório pensava que devia existir uma limonada purgativa para a alma. Daquelas que minha mãe nos dava e que purificava o sangue. Uma limonada pra purificar a alma que essa alma seja entendida não no sentido religioso, pois que ao longo do tempo perdi a fé e a noção de céu e inferno tornou-se uma barafunda! - e que me permita deitar sem insônia, me certifique que tudo vai dar certo no fim. E que eu me convença, pelo seu poder milagroso, que, se ainda não deu certo, é porque não chegamos ao final!