A melancolia tem a voz da madrinha e a imagem das pequenas manchas roxas que quando apareciam provocavam nela, de imediato, a frase: “Isso é melancolia”. Não sabia ela que seu diagnóstico era tão preciso.
Mas, na minha cabeça de criança e adolescente, melancolia era um estado de espírito, e não uma doença. Era estar ensimesmada, triste, “melancólica”. E, na juventude, veio uma música, Misty, que para mim era a expressão do meu entendimento de melancolia. Na voz de Johnny Mathis, talvez o mais melancólico cantor norte-americano. E havia também as belas gravações de Sara Vughan, que canta aí embaixo, e de Ella Fitzgerald. O nosso melancólico Emílio Santiago também fez dela uma bela gravação. Mas percebo agora que a melodia de Errol Garner - e nem tanto a letra, de Johnny Burke - é que trazia o sentimento da melancolia.
Mas agora há uma nova imagem, compatível com a vida adulta. E necessária para combater a perigosa inércia, que fragiliza e quase extermina o melancólico.
A Melancolia, de Albrecht Dürer:

E, felizmente, há mais hoje: um quase-desejo de resistir. E substituir, como fundo musical da vida, Misty por Paradeiro.
Eu considero um bom avanço, Ana ...rsrsrs....
Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de um vício?
Uns preferem dinheiro
Outros querem um passeio
Perto do precipício.
Haverá paraíso
sem perder o juízo e sem morrer?
Haverá pára-raio
Para o nosso desmaio
No momento preciso?
Uns vão de pára-quedas
Outros juntam moedas
antes do prejuízo
Num momento propício
Haverá paradeiro para isso?
Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de nós?
(Arnaldo Antunes - Marisa Monte)