" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

15
Jan 08

 

Deixa que eu escape às vezes, porque ainda assim eu não estarei distante de você.
Estarei apenas fora do alcance das suas mãos.
 
Deixa que eu me afaste de você, indo cabeça a dentro, para espanar as memórias e as aflições. Essa é uma tarefa que preciso fazer sozinha. E eu sempre volto.
 
Não se zangue se em alguns momentos eu pareço não ouvir ou se meus olhos não se fixam nos seus. Ainda assim eu a ouço e vejo. Apenas não consigo retornar com a pressa que você precisa.
 
Não se perca de mim, perdendo-se assim nas coisas pequenas do cotidiano. Não é verdade que são elas as mais importantes. Elas são apenas as coisas pequenas do cotidiano.
 
Dê descontos à minha preguiça, ao meu ainda não recuperado ânimo. Considere, sempre, que eu tenho, quem sabe por herança genética, um lado cinzento. E nele eu habito sozinha.
 
E que é improvável que eu seja quem não sou. E que se é a isso que se chama egoísmo, essa é a minha doença adicional. Aliada à melancolia diagnosticada.
 
E quando eu me perder de você, às vezes - porque é da minha natureza - leia o poeta e relaxe, enquanto isso corresponder ao que você necessita:
 
Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado
Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.
 
 (Fernando Pessoa)
publicado por Adelina Braglia às 16:13

sotavento a 16 de Janeiro de 2008 às 19:23

Sotavento!!! Sinto até o erfume da florzinha!
Beijos.
Adelina Braglia a 17 de Janeiro de 2008 às 03:28

A Outra(Do Pessoa na pessoa)
Amamos Sempre no Que Temos

AMAMOS sempre no que temos
O que não temos quando amamos.
O barco pára, largo os remos
E, um a outro, as mãos nos damos.
A quem dou as mãos?
À Outra.
Teus beijos são de mel de boca,
São os que sempre pensei dar,
E agora e minha boca toca
A boca que eu sonhei beijar.
De quem é a boca?
Da Outra.
Os remos já caíram na água,
O barco faz o que a água quer.
Meus braços vingam minha mágoa
No abraço que enfim podem ter.
Quem abraço?
A Outra.

Bem sei, és bela, és quem desejei...
Não deixe a vida que eu deseje
Mais que o que pode ser teu beijo
E poder ser eu que te beije.
Beijo, e em quem penso?
Na Outra.

Os remos vão perdidos já,
O barco vai não sei para onde.
Que fresco o teu sorriso está,
Ah, meu amor, e o que ele esconde!
Que é do sorriso
Da Outra?
Ah, talvez, mortos ambos nós,
Num outro rio sem lugar
Em outro barco outra vez sós
Possamos nos recomeçar
Que talvez sejas
A Outra.

Mas não, nem onde essa paisagem
É sob eterna luz eterna
Te acharei mais que alguém na viagem
Que amei com ansiedade terna
Por ser parecida
Com a Outra.

Ah, por ora, idos remo e rumo,
Dá-me as mãos, a boca, o ter ser.
Façamos desta hora um resumo
Do que não poderemos ter.
Nesta hora, a única,
Sê a Outra.

da pessoa a 17 de Janeiro de 2008 às 12:57

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