O inefável Ano Novo traz sempre a lembrança do pai. Quem sabe porque seu aniversário era no dia 1 de janeiro e o do meu irmão é no dia 31 de dezembro. Tínhamos assim - caso o ano que acabava tivesse sido ruim e o que começava prometesse muito pouco – dois bons motivos para que a festa de final de ano se desse, mesmo que o calendário nos preparasse uma rasteira!
Ontem, arrumando os CDs, achei um que não ouvia há tempo e ali estava escondida em meio a outras canções, como a me dar motivo para chorar de saudade, a música Pai, cantada pelo Fábio Junior. E há um verso:
“...Pai!
Pode ser que daí você sinta
qualquer coisa entre esses vinte ou trinta
longos anos em busca de paz...”,
que me lembrou que meu pai morreu há 30 anos (*) e que vivemos juntos muito menos – dezoito anos - do que este longo tempo em que ele foi embora e onde a sua presença é constante na minha vida.
Querendo escrever este post, fui ao youtube procurar a música e encontrei Fábio Junior fazendo um depoimento antes de cantar, sobre o pai com quem ele conversava sobre as coisas da vida. E eu conversava muito com o meu. Tá. O nosso, Rita e Oswaldo...rsrsrs...
Sigo a letra e lembro que durante muitos anos eu quis tanto que meu pai renascesse. Para contar-lhe dos meus medos e dos meus progressos ao vencê-los. Para falar das muitas lutas travadas e das batalhas perdidas. O pai era um Quixote às avessas: alto e forte, não cavalgava, mas caminhava às vezes descalço pela rua, com os sapatos nas mãos porque lhe apertavam os pés, para raiva da mãe, que achava isso uma falta de compostura.
Quis que o pai renascesse quando a mãe morreu. Aí pareceu tudo tão difícil, que seu colo parecia ser a única coisa capaz de me fazer forte. Quis tê-lo ao meu lado quando chegaram meus filhos, quando a Rita teve a Laura e quando o Oswaldo se formou - tão bonito e tão parecido com ele, no seu terno escuro, garboso, como diria a madrinha.
Fechei os olhos e ainda que as lágrimas perturbem muito, posso vê-lo no seu macacão cinza, com o qual gostava de ficar em casa, livre da farda e do fardo do trabalho. Eu o vejo tecendo uma tarrafa na sala, enquanto a Rita enchia os carretéis, ou tentando dar força ao Oswaldo para que andasse na bicicleta sem as rodinhas de apoio.
Eu nos vejo na beira do rio Juquiá, na madrugada, pescando, para depois assar o peixe na folha da bananeira, lentamente, para que a conversa também pudesse ser longa. E vejo também as discussões entre ele e a mãe, que me pareciam sempre afastá-los, até que há um ano a Rita me fez ver com os seus olhos uma foto tão conhecida, onde os meus olhos viciados nunca perceberam que a foto do beijo dos dois, naquele papel já enevoado pelo tempo, ainda transpira muito amor.
Descubro que segui meu caminho sempre acreditando que o pai concordaria com as minhas decisões. Por isso, a canção continua tocando e outro verso está correto:
Pai,
você foi meu herói meu bandido
hoje é mais, muito mais que um amigo,
nem você nem ninguém tá sozinho.
Você faz parte desse caminho, que hoje eu sigo em paz
Feliz aniversário, pai.
Feliz aniversário, irmão.
(*) atualizando hoje, 28.12: falha na aritmética ou emoção excessiva, na verdade o pai morreu há 40 anos!!!