Nunca fui uma mulher notívaga.
Já fui uma jovem mulher que gostava da noite,
como se o descanso ou o prazer ou o lazer se originassem da ausência do sol.
Hoje não. Tenho sono mais cedo do que terminam os shows,
não consigo conversar e ouvir uma música alta
que me impede de entender o que dizem ao meu lado.
E mesmo se há silêncio em volta e a conversa vai muito boa,
bocejo depois da meia-noite.
Na verdade, o foco da minha esperança mudou para o amanhecer.
Se o dia anterior sugou minha energia,
aniquilou minha vontade,
escondeu meu desejo - aquele que nunca sei qual é! - debaixo do tapete,
o amanhecer começa sempre com o nível da bateria perto do normal,
com a vontade abanando o rabo pra dizer que está ali,
e o desejo indefinido fazendo um ruído insistente embaixo do tapete,
para que eu me aperceba dele também.
Mesmo nos dias chuvosos, que felizmente começam a rarear,
acordar é para mim um ato de renascer,
de sacudir a cabeça - literalmente -
e espirrar a melancolia pra fora do corpo.
E de olhar o jornal e de novo me irritar com tanta hipocrisia
nas propostas que reinventam a roda, mas a fazem quadrada,
e saber que enquanto ela dá solavancos até reaqdquirir a forma arredondada,
há mais sofrimento e mais dor para os que não são "cidadãos de primeira classe",
os cerca de 70% do povo brasileiro.
E enquanto o café escorre do coador para o bule
- eita palavra antiga! - me encho de energia
e concluo que a cafeína merece estudos complementares
e acredito em mim, e na humanidade
e no meu amor.
E retiro, todas as manhãs, o tapete de cima do indefinido desejo,
para que ele respire.