Lembrei dos bordados delicados que minha mãe insistia que eu aprendesse.
Eu, talvez porque esse era meu único “poder” contra ela, recusava-me a fazer. Ou melhor: fazia-os propositalmente mal feitos. Embora me desagradasse muito ver os pontos em desalinho, uns apertados e outros frouxos, eu os fazia assim. Para provocá-la.
Os bordados devem ter povoado algum sonho recente, pois não há porque me lembrar deles à toa. Mas, faço agora associações - estas sim, devem estar presas na minha arrogante vontade de sempre saber quem, porque e o que sou, ao invés de ser – e me vejo bordando e rebordando a vida, apertando demais os “pontos” ou afrouxando-os a ponto de perderem a forma e a nitidez.
Quando a mãe me fazia desmanchar o bordado para corrigir o mal feito, atravessava a rua e ia à casa da madrinha. Pacientemente ela desfazia os pontos para mim e suas mãos pareciam mágicas de tão ágeis. Depois ela subia a pequena escada que dava para a cozinha e fazia “pão chiado”. Ela os chamava assim porque o barulho da manteiga, derretendo na frigideira, fazia um chiado leve.
E ali, sentada na escada, ouvindo o chiado do pão na frigideira e sentindo o cheiro gostoso, eu refazia rapidamente o bordado. Sem dor, sem raiva.
De repente, desfaço a compreensão inicial: talvez eu não pretendesse provocar a mãe. Talvez eu quisesse apenas uma boa desculpa para atravessar sempre a rua e ter o carinho expresso da madrinha, escancarado no abraço de sempre, no desfazer dos nós, no cheiro do pão e no calor da manteiga.
E como esta sessão explícita de terapia é das mais honestas que já fiz, queria hoje voltar à escada, refazer os nós, sentir o cheiro do pão chiado e dizer a ela da saudade dos seus olhos doces e da sua imensa ternura de me ensinar a desfazer os nós e a refaze-los com a beleza que eu era capaz, para que eu compreendesse sem castigos ou discursos que a vida podia ser bordada caprichosamente.
Um beijo, madrinha. Sinto falta das suas mágicas mãos.