Vivemos tempos de guerrilhas e batalhas. Umas a bala e nas trincheiras - palavra tão antiga quando a morte é rápida e virtual! - outras no dedilhar de teclados assinando petições ou declarando nossas convicções. Esforço-me por me adaptar ao meu tempo, algumas vezes com exito e noutras com uma enorme nostalgia.
Sou de um tempo onde ladroagem era bater carteira de desavisados e não o usufruto do dinheiro público. Não que não houvesse - Adhemar de Barros que o diga! - mas a agressividade e o cinismo não eram tão prosaicos! Mendigo não era palavra feia e referia-se ao “conhecido e estimado pedinte”, que almoçava na porta de casa, dia sim, outro também. E a nova classe média era aquela que, apesar da baixa renda, buscava a ascenção social pela luta pelos direitos.
Meu tempo era o do carro-biblioteca do SESI, que trazia a cada quinze dias o mundo novo dos livros na esquina de casa. O carteiro era mais aguardado do que o resultado das loterias. Os cachorros corriam enlouquecidos atrás do caminhão do lixo e todas as quartas-feiras o cheiro de peixe da feira semanal invadia nossa rua, antes do carro da prefeitura passar, lavando o asfalto e as calçadas.
E daí? Daí, quase nada.
Talvez por isso não nego esmolas nas ruas e as poucas vezes em que vou ao Ver-o-Peso, sinto uma enorme saudade das ruas da Vila Madalena.
Talvez por isso, ainda que cultive uma apaixonada relação com a Internet, pela velocidade com que nos informa e torna acessível algum conhecimento, cada vez que tenho um livro nas mãos é como se pegasse uma pedra preciosa, e das letras fluísse uma sabedoria enorme! Tá, não me venham dizer que idiotas também publicam livros, pois basta não lê-los!
Talvez por isso também minha tristeza imensa quando leio o cotidiano nas páginas policiais dos jornais, onde os netos e bisnetos dos mendigos cordiais das minhas ruas de infância são mortos e esquartejados na impiedosa demonstração dos resultados da reprodução e do agravamento da desigualdade e da pobreza. E quando vejo que criminosamente se mata todos os dias a alma dos jovens, que saem das escolas sem jamais terem pego nas mãos um livro, salvo aqueles que ensinam que há nobreza nas fotos dos homens de gravata e torpeza nos que trazem enxadas nas mãos.
Saravá, Brasil!