" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

20
Mar 09

 

Em meados dos anos 80, Jô Sares, então um bom humorista – hoje é um chatíssimo copydesquista – tinha um personagem ótimo: um general, amigo do ditador de plantão, acordava depois de alguns anos em coma e ao se situar na democracia reinante, assustava-se com as notícias e gritava: “Tira o tubo”.  Mas, em seguida, ao saber detalhes da informação e percebendo que nada mudara muito, dizia “Bota o tubo!”.
 
Lendo hoje a informação de que o Presidente Lula mandou um recado para o STF, avisando que se aquele Tribunal votar pela extradição de Cesare Battisti e se ficar em suas mãos a decisão final sobre o caso ele não o mandará de volta à Itália, lembrei do personagem.
 
Se o STF age ou não corretamente, se o Ministro da Justiça tinha ou não razões para acatar o pedido de asilo, são outros tostões. O tostão da vez é o Presidente da República mandar recados ao Supremo Tribunal Federal do país, mais ou menos assim: “Dane-se o que vocês decidirem. Se cair na minha mão, faço o que achar melhor”.
 
O que tem a ver o tubo do Jô? Tirem ou botem. Ao seu gosto.
publicado por Adelina Braglia às 12:40

 

   
...”Estamos todos bem”. Esse era o título de um filme belíssimo, de Giuseppe Tornatore, lá pelos anos 90. Apesar da redução do crescimento do país, apesar do desemprego crescente, foi neste título que pensei quando li esta manchete hoje no Estadão:
 
“Dilma e Ciro trocam elogios em inauguração
A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) trocaram ontem elogios na inauguração de uma obra em Pacajus, na região metropolitana de Fortaleza. Dilma foi descrita por Ciro como "a mais competente auxiliar do presidente Lula". A ministra retribuiu as declarações, afirmando ser Ciro "um grande companheiro". "O melhor companheiro do primeiro governo do presidente Lula", disse.”
publicado por Adelina Braglia às 08:28

17
Mar 09

 

Drummond escreveu que os ombros suportam o mundo.
Os meus mal me suportam.
Meus olhos também se rebelam e desejam não mais ver as iniqüidades à volta.
Minhas mãos ainda afagam, mas parecem  ásperas, quase todo o tempo.
Meus pés carregam-me exaustos. Parecem, às vezes, recusar-se a caminhar.
 
Meus pensamentos vagam tão desordenadamente que temo que independam de qualquer lógica que eu possa impor.
 
Nos últimos dias cheiros súbitos da infância tomam de assalto meu nariz:
o cheiro do milho cozido, do pão recém saído do forno à lenha.
Dia destes senti até cheiro da chuva nas folhas da macaúba.
 
A boca também lembra gostos: manga caída do pé, café feito com o grão acabado de torrar. Coisas da avó.
 
Ah! e sinto muitas saudades. De todos os tempos da vida. E em cada um destes tempos, das pessoas que os marcaram.
 
E, quando amanhece o dia, recolho as saudades,
lavo os dentes e da boca retiro o gosto da manga,
obrigo meus pés a caminharem para onde preciso e nem sempre quero,
procuro fechar os olhos quando posso antever a iniqüidade,
cantarolo uma canção para fechar os ouvidos,
e acomodo os ombros. Meu peso é pouco.
 
 
 
 
 
 

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
 
 
(Carlos Drummond de Andrade - Os Ombros Suportam o Mundo)
publicado por Adelina Braglia às 07:51

12
Mar 09

 

 

 

 

O link sobre Fernando Pessoa, ao qual o post abaixo nos remete, vai dar numas lindas infogravuras sobre o poeta, feitas por João Luiz Roth.

Escolhi esta, entre tantas, porque olhei com ternura o cigarro pendurado à boca. O cigarro que há algumas décadas não matava ninguém. E que hoje nos mata, um a um, graças à altíssima concentração de alcatrão e nicotina, para garantir o vício de quem os consome e com isso os lucros escorchantes da indústria do fumo, tudo muito bem acatado e referendado pelo nosso Ministério da Saúde.
 
Muitas vezes pensei que a variação do lema que embala os maços de cigarro  – este produto pode matar – deveria compor a embalagem da maioria do que consumimos: o óleo, a carne, os iogurtes, até o inofensivo e delicioso tomate. Agrotóxicos, acidulantes, estabilizantes, tudo isso mata. Devagar e sempre. Mas, o cigarro mata mais e mais rápido. Será isso? ao Ministério importa a velocidade do feito?
 
Voltemos à imagem do poeta e do seu fascinante cigarro pendurado no “bico”. Uma volta no tempo em que, como dizia ele  éramos felizes e ninguém estava morto.
 
 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
 
(Aniversário - Álvaro de Campos)
 
 
 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 09:17

11
Mar 09

 

 
 Sempre que leio nos jornais:
"De casa de seus pais desapareceu. . . "
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.
 
Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.
  
Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto de arrependimento.
 
 Eu, que pudesse, enfim, ser meu
— Livre o instinto, em vez de coagido,
"De casa de seus pais desapareceu..."
Eu, o feliz desaparecido
 
(Carlos Queirós – Desaparecido)
 


José Carlos Queirós Nunes Ribeiro (1907-1949) nasceu em Lisboa e faleceu em Paris. Frequentou a Faculdade de Direito de Coimbra, tendo colaborado em várias revistas, tais como Presença, e Contemporânea, com poesias e artigos de crítica literária. Recebeu em 1935 o Prémio Antero de Quental do Secretariado de Propaganda Nacional com a obra Desaparecido. Foi director das revistas Panorama (1941) e Litoral (1944). A amizade de Carlos Queirós com Fernando Pessoa levou a que este último tivesse uma relação amorosa com sua irma, Ofélia Queirós. Obras: Desaparecido (1935), Breve Tratado de Não-Versificação (1948), Homenagem a Fernando Pessoa (ensaio-1936). Toda a sua poesia se encontra no volume póstumo Poesia de Carlos Queirós (1966).
publicado por Adelina Braglia às 20:11

08
Mar 09

 

 

...pra encerrar nosso dia....

 

 

Mulheres carregam tijolos em campo de construção em Calcutá, na Índia. Elas recebem 1,35 dólares por dia, enquanto homens que fazem o mesmo trabalho recebem 1,65 dólares.

 

Mulheres carregam tijolos em campo de construção em Calcutá, na Índia. Elas recebem 1,35 dólares por dia, enquanto homens que fazem o mesmo trabalho recebem 1,65 dólares ( AFP)

publicado por Adelina Braglia às 21:14

 

 

 

publicado por Adelina Braglia às 06:35

07
Mar 09

 

 
Um Dia Internacional é um dia para reforçar nossa disposição e coragem. Assim como as descreve Adélia Prado:
 

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
(Com licença poética)
publicado por Adelina Braglia às 09:29

02
Mar 09

 

A voz da amiga, pelo telefone, avisa que nossa professora e amiga acaba de morrer.
 
Meu coração parou um pouco de bater, para que eu ouvisse o choro da amiga e tivesse tranqüilidade para não ter nada a dizer.
 
Desliguei. Fiquei aqui sentindo um vazio estranho porque apesar de tão oco, doía. Ao contrário de outras perdas recentes, não senti raiva. Quem sabe porque ela sofria muito, há meses. E ela não merecia mais viver sem ver, sem sorrir.
 
Meu filho repôs uma verdade que eu perdi na tristeza desses minutos. Quando lhe disse que a cada perda um pedaço de mim vai embora, ele discordou. E lembrou que dela é que ficaram pedaços comigo.
 
E eu relembrei da nossa perlenga da blusa azul de bolinhas, das batidas de maracujá na cozinha, do café sempre recém coado, do seu olhar brilhante, da sua ironia fina, da sua fé inabalável, do seu amor pelos seus. E do quanto foi fundamental para a minha vida que ela tenha me incluído entre os seus.
 
Você aprimorou em mim um coração estudante. Que aprendeu a aprender. E eu quero deixar aqui a música pra você. Coração de estudante.
 
A gente se vê por aí.
 
Um beijo, Lurdinha.
Um abraço, Barelli.
Muito orgulho, Su, Pedro e Paulo.
 
 
 
publicado por Adelina Braglia às 23:30

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