" Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?" (Garcia Lorca)

28
Abr 06
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

Hilda Hilst



Cheguei hoje. Vim retribuir o poema. Beijão.
Samartaime
publicado por Adelina Braglia às 18:09

26
Abr 06

"Grávida de oito meses, a estudante Elenilda Justino da Silva, 16 anos, morreu nesta terça-feira, depois de ser baleada durante confronto entre policiais do Serviço Reservado do 2º BPM (Botafogo) e traficantes do morro Santo Amaro, no Catete, capital fluminense. O bebê - uma menina, batizada de Leliane - foi salvo pelos médicos do hospital Souza Aguiar, no Centro."(www.terra.com.br)


Perdoa, Leliane, a pressa com que você veio à vida.

Perdoa, se puder, o assassinato da mãe, morta no confronto entre mocinho e bandido sem que jamais possamos explicar a você de que lado estava cada um.

Perdoa esse tempo que se expressa na morte prematura das mães, pela bala, pela miséria, pela tristeza.

Perdoa o país que preparamos, onde as crianças são prematuramente õrfãs, sem pão, sem algodão-doce e sem colo.

publicado por Adelina Braglia às 08:20

25
Abr 06

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: "vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali...

 


A minha glória é esta:

Criar desumanidades!

Não acompanhar ninguém.

— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí!

Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...

 


Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí...

 


Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?...

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,

Tendes jardins, tendes canteiros,

Tendes pátria, tendes tetos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura !

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

 


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou,

É uma onda que se alevantou,

É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

Sei que não vou por aí!

(Cântico negro - José Régio)

publicado por Adelina Braglia às 22:09

24
Abr 06

Eu fumo muito e bebo pouco.

Não consigo ter a convicção da existência de Deus,

embora, às vezes, reze para o anjo da guarda para que proteja meus filhos

e quando faço isto reconheço em mim uma incongruência.

Mas, como tenho tantas, esta nem sequer me incomoda muito.

Convivo com muitas pessoas que parecem personagens saídas da minha imaginação

se acaso eu tivesse uma imaginação tão criativa!

Mas, reconheço que se convivo com elas, é porque as amo, do jeito que são,

embora perceba em mim, às vezes, muita vontade de que elas mudem.

Para melhor, segundo o meu desejo de que elas sejam

como eu gostaria que fossem!.

Faço análise e tomo antidepressivo.

Nem por isso me considero maluca, embora, às vezes,

me tema, por imaginar que a vida é trailer  e que o filme ainda está por vir.

Amo apaixonadamente e odeio com alguma moderação,

embora, às vezes, tenha que conter a raiva com as mãos.

Tentei ser esquerdista e esforcei-me dedicadamente para cumprir meu objetivo.

O melhor que consegui foi ser “reformista”,

daqueles que acreditam poder mudar as estruturas “por dentro”,

embora, às vezes, olhando meu país em 2006,

tenha algumas recaídas e me pegue pensando

que a guerrilha poderia ter sido uma ótima alternativa!

Com certeza, alguns personagens que usaram a história para enfeitar seu perfil,

poderiam ter sido bons para roçar juquira nos canaviais!

Hoje me contento em assumir com tranqüilidade

que o que me mobilizou, na verdade,

não foi a minha força ideológica nunca cumprida,

mas a compaixão pelo sofrimento do outro

e que não me angustio mais em definir minha “vocação”.

Acredito, sim, na política e nos políticos decentes

e sou capaz de nomear alguns compromissados com o seu país.

 Procuro perceber os indicativos de uma mudança na América Latina,

e os comemoro, mesmo que venham no rebojo das águas

o falso “nacionalista” ou o populista “bem intencionado”.

Mas, não me convidem a votar em ninguém esse ano.

Quero anular meu voto, como direito de cidadania.

Repito que amo a música e a minha neta Beatriz.

Ela tem seu nome ligado a uma linda canção

e a uma maravilhosa amiga.

Confesso meu cansaço, embora, às vezes, eu amanheça com o vigor da infância

e com a disposição de sonhar, como eu a tinha na juventude.

Mas hoje não. Hoje amanheci com a intensidade e o peso dos meus 56 anos.

publicado por Adelina Braglia às 11:45

19
Abr 06

Acordar em Brasília é como entrar no filme "Eduardo mãos de tesoura" , na cena em que se observa o amanhecer na cidade. Lá eram casas iguais e aqui são blocos de apartamentos padronizados. O movimento matinal é semelhante: quase ao mesmo tempo os carros saem dos estacionamentos e tomam direções diversas.

Nunca me interessei pela concepção urbana de Lucio Costa para a cidade. Mas imagino que a definição por blocos residenciais padronizados poderia passar a idéia da equidade diante do poder, aliada à necessidade de convencer, pelo conforto, os servidores públicos a se deslocarem para a nova capital, há décadas atrás.

Olhando pela janela essa aparente igualdade e sabendo o que acontece nos subterrâneos - e já nem tão "subterrâneos" - do poder, é mais forte a certeza de que alguns são mais "iguais" do que os demais.

Felizmente hoje à noite já volto para casa.É sempre desconfortável a certeza das nossas piores certezas.


Fui.


 

publicado por Adelina Braglia às 07:30

18
Abr 06
"Cafezinho servido nos órgãos públicos sai caro para os cofres da União

Os custos com os serviços e materiais de copa e cozinha do Executivo, Legislativo e Judiciário são elevados. Em 2005, atingiram R$ 61 milhões, valor que corresponde, por exemplo, a quase o dobro do que foi gasto no mesmo período com o programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. (...)"
(http://contasabertas.uol.com.br/noticias/detalhes_noticias.asp?auto=1372)

publicado por Adelina Braglia às 07:26

"É espantoso que setores da esquerda brasileira vejam com simpatia a candidatura do “nacionalista” Ollanta Humala, vencedor do primeiro turno das eleições presidenciais no Peru, realizada domingo passado. (A lentidão das apurações ainda não definiu quem será o concorrente de Humala no segundo turno, a ser disputado a 28 de maio ou 7 de junho próximos).

Militar da reserva, envolveu-se em violações dos direitos humanos de populações camponesas durante o combate que o Exército peruano travou contra os terroristas enlouquecidos do movimento Sendero Luminoso.

Uma frustrada sublevação militar que liderou em 2000 contra o presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que governava desde 1992 com poderes ditatoriais, conferiu-lhe uma certa aura de herói.

A verdade, porém, é que ele foi próximo da eminência parda da ditadura fujimorista, o chefe dos serviços de segurança Valdomiro Montesinos, hoje preso sob a acusação de um rol de crimes que vão da chefia de esquadrões da morte ao tráfico de armas e roubo de dinheiro público.

Oriundo de uma família com idéias peculiaríssimas — seu pai, como se sabe, é líder de um movimento que prega a cassação da nacionalidade dos peruanos de origem européia, asiática e africana, sua mãe defende o fuzilamento de homossexuais –, Humala não manifesta compromisso com a democracia representativa e, para alguns especialistas em relações internacionais, como o doutor em geografia humana Demetrio Magnoli, sua postura e idéias são de teor francamente fascista.

Seu barulhento antiamericanismo, porém, o absolve: como é contra o governo Bush e ácido crítico dos Estados Unidos, Humala virou “progressista”."
(http://blog.nominimo.com.br/#1325)

publicado por Adelina Braglia às 07:16

17
Abr 06

O reflexo da lua na poça de água na rua escura, um resto de chuva caindo pela biqueira dos telhados, uma falta de sono justificável pela dormida à tarde, uma inquietação que o leite quente com açúcar e canela não acalmou.

Uma música toca dentro da cabeça “...é, a gente quer valer o nosso amor...” e eu não me furto o prazer de lembrar quando essa música fez muito sentido. Gonzaguinha. Uma ave abatida em pleno vôo.

A memória arquiva determinadas sensações e  elas retornam aparentemente sem fazer sentido. A súbita re-lembrança fica vagando junto com a música.

A precisão – de precisar, necessitar - me leva a parar por um instante e tentar entender porque hoje, terminado o domingo de Páscoa, lembro dessa música e das situações em que ela era pano de fundo.

Sigo nesse exercício e induzo meu raciocínio. A notícia do pai que esqueceu o filho dentro do carro num estacionamento, e no final da tarde o encontrou morto, me incomodou tanto!. Tenho certeza de que ele jamais se recuperará disso e quis compreender as razões que o levaram a esquecer de deixar o filho na creche e a correr para o trabalho, com o bebê sentado, quietinho e esquecido, no banco traseiro.

Talvez porque esse é um tempo em que a vida e o amor não se sobrepõem a nada.

É.  "A gente quer valer o nosso amor... "  Deve ser isso.

publicado por Adelina Braglia às 00:45

14
Abr 06

Meu pai era filho de imigrantes italianos, pobres, substitutos da mão-de-obra escrava africana nas fazendas de café do interior de São Paulo. Foi criado pela avó e sua infância foi de uma pobreza mais do que franciscana. O pai era ateu. E isso fazia com que eu me perguntasse porque a festa de Páscoa na nossa casa tinha uma importância tão garnde. O almoço de Páscoa era preparado por ele e era farto, muito farto. Os ovos de Páscoa eram imprescindíveis, o vinho insubstituível.


Um dia resolvi perguntar a ele porque essa festa, para quem não acreditava em Cristo e menos ainda na sua possível ressurreição.


O pai então contou que quando tinha 7 anos, amanheceram, ele e sua avó, no domingo de Páscoa, sem nada para comer. A única coisa que havia era meio pão, duro e seco.Ele e a avó comeram o pão, e ele jurou pra si mesmo, nessa tenra idade, que um dia, quando tivesse filhos, a Páscoa seria a festa mais bonita do mundo. E que haveria muito pão, muito vinho e muitos chocolates.


O pai, enquanto viveu, cumpriu sua promessa.


E é com o desejo dele que eu também comemoro a Páscoa e desejo a vocês pão, vinho, amor e paz.

publicado por Adelina Braglia às 10:15

11
Abr 06
 

Eu acordo na madrugada e sinto o cheiro do chão molhado pela chuva. Desço as escadas. Aqueço a água para o café: apenas uma xícara, no microondas. Uma pequena colher de café solúvel. Três gotas de adoçante. Nesses poucos minutos, o cheiro forte do café  se sobrepõe ao cheiro do chão molhado pela chuva.

Como ando cada vez mais esquecida de datas, cenas e fatos, parece que os cheiros é que reavivam minha memória. Acho que faço dos cheiros a defesa contra a esclerose que virá, infelizmente virá.

O cheiro doce do meu café lembrou o cheiro forte do café que a avó torrava pela manhã, para moê-lo e preparar o café para o avô, que saía para a roça. Não, não era pela manhã. Era na madrugadinha, como hoje.

O cheiro é que reaviva minha memória. A avó, alta como eu, austera como eram todas as avós italianas, imigrantes como a minha, que conheci na infância. Ela, ao mesmo tempo em que torrava o café, alimentava as galinhas, colocava o feijão de molho, arrumava o pão e a manteiga na mesa. O feijão que mais tarde estaria fumegante num pequeno caldeirão, tampado por um prato, onde ela colocava o arroz e a costela defumada de porco. Sobrepunha a este um outro prato, amarrava tudo num pano de prato imaculadamente branco, e, por volta das 10 horas me entregava o embrulho, para que eu levasse ao avô, no campo.

Benditas férias eram aquelas! Todos os janeiros de muitos anos eu acreditava que o melhor do mundo era o cheiro do café torrado, o cheiro do toucinho fumegando no tacho, o cheiro dos mamões verdes ralados transformando-se em doce, o cheiro da terra molhada que a chuva lavara durante a noite.

Volto a pensar na avó. Sua tristeza era tamanha que parecia quebrar-se apenas por alguns segundos, e depois voltava a toma-la inteira. Minha mãe explicava essa tristeza contando do filho que ela perdera num acidente de caminhão. Dizia minha mãe que depois da morte dele, a avó nunca mais foi a mesma.

Eu lembro de poucos abraços da avó, sempre quando eu chegava para as férias. Sua saudação era um abraço. Nem muito apertado, nem muito longo. Mas um abraço afetuoso. Depois disso, seu carinho se revelava nos ovos cuidadosamente fritos com a gema mole, pois era assim que eu gostava deles. Ou numa pequena estripulia, quando abríamos um dos potes de doce – às vezes de mamão, outras de abóbora, ou dos figos em calda – e o comíamos, as duas, no final da tarde, quando o avô estava chegando da roça para o jantar.

O avô, que afirmava produzir no seu sítio tudo o que eles precisavam. Dizia com a voz grave e cheia de orgulho: da rua, só preciso do fósforo e do sal. E sentávamos na soleira da porta ainda com um resto de sol, e ele contava algumas histórias da sua infância, ou suas impressões sobre a vida e o mundo, enquanto picava o fumo e preparava a palha do milho para fazer seu cigarro.

Céus! A que me levou um insosso café solúvel!
publicado por Adelina Braglia às 08:41

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